A busca por alternativas para a proteção da Amazônia tem sido um dos principais desafios do Brasil nas últimas décadas. Os esforços realizados até aqui, baseados principalmente na vigilância e repressão, não foram suficientes para conter as ilegalidades na região. Agora, graças ao avanço da agenda agroambiental no país, esta batalha está sendo travada por meio de uma nova abordagem, com foco na bioeconomia.
A estratégia passa pela conscientização dos pequenos produtores e o fomento ao desenvolvimento de cadeias produtivas economicamente atraentes onde eles possam se inserir, em projetos que unem renda, desenvolvimento social, a conservação das matas nativas e a captura de carbono.
Neste cenário, o cacau, uma espécie nativa da Amazônia com grande valor comercial, vem despontando como uma das principais alternativas para a recomposição de áreas degradadas na floresta. Cultivada em consórcio com outras espécies, como banana, mandioca, açaí, pupunha e o cupuaçu, a cultura vem ocupando áreas outrora utilizadas para a criação extensiva de gado, trazendo ganhos econômicos, sociais e ambientais.
“O cacau é sempre a atividade principal, mas a combinação com outras culturas de ciclo curto, que trazem receita rápida, contribui para a sustentabilidade econômica do projeto”, explica Walmir Ortega, fundador da Belterra, startup agroflorestal fundada m 2020 que trabalha atualmente na implementação de diversos projetos agroflorestais no Pará, em Rondônia e no norte do Mato Grosso.
Até o momento, a Belterra já ajudou a converter de cerca de quatro mil hectares de pastagens degradadas em lavouras de cacau. A meta, no entanto, é bem mais ousada: 40 mil hectares até 2030. O executivo explica que esse não é um trabalho simples, já que exige muita capacitação técnica e um investimento inicial elevado – o custo para a implementação do sistema agroflorestal gira em torno de R$ 30 mil por hectare.
“Existem algumas barreiras que precisam ser superadas. A primeira é o conhecimento. Não é simples para o produtor sair da pecuária para um sistema totalmente novo. A segunda, ainda mais complicada, é a falta de capital, já que muitos deles nem sequer têm acesso a crédito. A terceira é o acesso ao mercado, para a venda da produção. Nós atuamos nessas três frentes”, afirma Ortega.
Integração de produtores com mercado nacional é diferencial
A parceria entre Belterra e os produtores se dá tanto por meio do arrendamento de terras, modalidade em que a startup faz todos os investimentos necessários e cuida da operação, quanto por meio de sociedade no negócio. Nesse caso, a empresa fica responsável pela assistência técnica, gestão e contato com potenciais compradores.
A integração dos produtores ao mercado é vista como um dos principais diferenciais do projeto. O Brasil, que já foi referência mundial na produção de cacau, hoje importa cerca de 50 mil toneladas do fruto todos os anos. O incremento na produção, portanto, será facilmente absorvido pela indústria chocolateira nacional. Parceiro estratégico do projeto, a Cocoa Action Brasil, uma iniciativa da Fundação Mundial do Cacau (WCF), atua como facilitador nesse processo.
“Nossa missão é promover ações estruturantes, capacitar produtores, técnicos e organizar cooperativas”, explica Guilherme Salata, coordenador da iniciativa. “A cadeia tem muitos desafios comuns e é muito mais fácil superar esses problemas de forma colaborativa.”
Segundo ele, um dos grandes obstáculos do setor é a baixa produtividade em campo, que compromete a renda dos produtores e limita a oferta de insumos para a indústria. “O Brasil já chegou a produzir uma média de 700 quilos por hectare. Hoje, esse número está em torno de 300 quilos por hectare.”
O projeto liderado pela Belterra na Amazônia tem como objetivo agregar até 60 mil toneladas de cacau à produção brasileira, além de criar mais de dois mil empregos diretos e outros milhares ao longo da cadeia logística. Em um segundo momento, também existe o desejo de atrair uma indústria de processamento para a região.
Estimativas indicam que para alcançar os 40 mil hectares de cacau plantados no sistema agroflorestal será necessário um investimento de aproximadamente R$ 1,2 bilhão. Esses recursos serão captados pela startup por meio de fundos de investimento, estruturas de crédito bancário, capital filantrópico, além de empresas privadas, como a Vale que, por meio do Fundo Vale, é um dos principais investidores da Belterra desde a sua fundação.
“Na filantropia existe uma ideia de que enquanto há recursos, há projetos. Nós queremos ser avaliados por esse projeto após 2030, quando não existirá mais a nossa interferência, se haverá sustentabilidade econômica. O objetivo é que os produtores estejam estruturados e tenham condições de seguir produzindo de forma independente”, completa Gustavo Luz, diretor do Fundo Vale.