Disparada na cotação da commodity pode influenciar custo até dos ovos de Páscoa de 2025
Os fabricantes de chocolate esperam um segundo semestre mais desafiador devido ao aumento de custos relacionados ao cacau, que enfrenta uma das maiores crises de oferta das últimas décadas. Em resposta, o preço do chocolate, que no Brasil já acumula alta de até 18% entre janeiro do ano passado e maio deste ano, segundo a empresa de pesquisa de mercado Kantar, deve sofrer novos aumentos.
“Veremos o preço da commodity continuar subindo. E, nesse caso, ajustaremos os preços”, disse Ana Manz, diretora financeira da Nestlé, em teleconferência com analistas. A companhia, que se beneficiou de preços mais favoráveis nos primeiros meses do ano devido a estratégias de proteção (hedge, em inglês), não vê esse cenário se repetir daqui em diante, e espera margens menores na segunda metade do ano.
Segundo projeções da Organização Internacional do Cacau (ICCO, na sigla em inglês), a demanda mundial pelo produto deve superar a oferta em 439 mil toneladas na safra 2023/24 (de outubro de 2023 a setembro de 2024), a terceira temporada consecutiva com déficit na produção global.
Como resultado dessa crise na oferta mundial da principal matéria-prima do chocolate, os preços alcançaram patamares recordes na bolsa de Nova York. Em abril, a tonelada do cacau alcançou pela primeira vez o valor de US$ 11.878. Nos últimos 12 meses encerrados em julho, a valorização da commodity no mercado internacional chega a 121%, segundo cálculos do Valor Data.
Em nota, a Nestlé diz que “tem o compromisso de adotar ações mitigadoras para ajustar preços com responsabilidade e apenas quando necessário”. A companhia também reforça sua aposta na expansão do Nestlé Cocoa Plan no Brasil, programa de sustentabilidade de cacau criado em 2009 que reúne mais de 6,5 mil fornecedores em nove Estados.
Um dos principais desafios da indústria será equilibrar o aumento de preços com a manutenção do volume de vendas. A Mondelez, dona das marcas Lacta e Oreo, diz que vai “proteger pontos de preço críticos e limiares-chave, enquanto utilizamos da gestão de receita para implementar mais preço nos segmentos e ocasiões de consumo menos elásticos”, afirmou o diretor-financeiro, Luca Zaramella, em teleconferência.
“Temos desenvolvido alternativas para continuar oferecendo ao consumidor produtos em diferentes formatos, seja para consumo individual, em pequenas porções, até embalagens promocionais e tamanho família”, disse a Mondelez, em nota. Essa tem sido uma estratégia comum a outras empresas do setor para tentar reduzir os repasses. A companhia afirma que está concentrando seus esforços em “promover iniciativas que alavanquem a produção brasileira e estimulem, ainda mais, que os produtores tenham acesso à pesquisa e às boas práticas agrícolas”.
Apesar do cenário inflacionário, o consumo de chocolate pelos brasileiros não sofreu impacto significativo até o momento. O produto cresceu 15,5% em volume de janeiro a maio deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo levantamento da Kantar. A categoria foi a única a avançar por meio do aumento de consumo na cesta de indulgência, que considera tabletes, bombons, caixas/pacotes, snacks, candy bars e confeitos.
“Os consumidores e a economia brasileira continuam resilientes”, disse Dirk Van de Put, CEO da Mondelez, a analistas. Por outro lado, o executivo pontua que está havendo um aumento gradual nas elasticidades no Brasil, o que significa que a demanda dos consumidores está se tornando mais sensível às mudanças de preço e que a manutenção desse cenário não está garantida.
O chocolate compete com outros produtos nas compras do mês. Na medida em que os preços sobem, “o consumidor tende a racionalizar mais a escolha”, afirma Matheus Macedo, gerente de novos negócios da Kantar.
Para suavizar os repasses, “as empresas vão ter de pensar em alternativas que utilizem o cacau em menor quantidade”, sugere Macedo. Isso inclui produtos como waffers, que trazem o biscoito junto com o chocolate, bombons ou até snacks de castanhas cobertas com chocolate.
Essa lógica também já está valendo para a Páscoa de 2025, tendo em vista que o produto mais tradicional da festividade, os ovos, são basicamente chocolate e que as compras de cacau para o período serão feitas nesse contexto de preços elevados.
Em abril deste ano, por exemplo, as vendas cresceram 15% puxadas, principalmente, por caixas de bombom (45,3%) e barras (22,5%), segundo a Kantar. Os ovos, por sua vez, representaram apenas 12,6% do volume de mercado. “O grande ponto de atenção é equilibrar a cesta de indulgência dentro dessa elasticidade de preços”, diz Macedo.
Falta matéria-prima
Essa estratégia se torna ainda mais relevante se considerada que a situação de abastecimento de cacau no Brasil é crítica, segundo produtores e consultores de mercado, que afirmam não haver matéria-prima suficiente para atender às indústrias.
O setor reconhece a dificuldade de encontrar matéria-prima no mercado, mas isso ainda não é um impeditivo para a operação de grandes processadoras de cacau no país, como a Cargill e a Barry Callebout, por exemplo. É o que afirma Anna Paula Losi, presidente-executiva da Associação Nacional das Indústrias Processadoras de Cacau (AIPC).
“Até o momento, nenhuma empresa [associada à AIPC] reportou falta de produto e que pode parar [as operações]. Isso não existe ainda. Não estou dizendo que não tenha risco, mas a escassez de cacau vai ficar rondando o setor até que tenhamos volumes mais tranquilos na safra”, afirma Losi.
Dados da associação mostram que no primeiro semestre de 2024 houve queda de 37,4% no volume recebido de amêndoas nacionais pela indústria processadora de cacau. Foram 58,3 mil toneladas recebidas no período, em comparação com as 93,3 mil toneladas nos seis primeiros meses de 2023.
“Tivemos recuo no recebimento devido à falta de produto. Para o segundo semestre o número também pode ser negativo pela expectativa de queda na demanda nos próximos meses, já que o déficit reflete em preços mais altos no mercado externo e interno”, detalha.
Ela lembra que a produção brasileira foi prejudicada por perdas na safra de cacau temporã, geralmente colhida entre abril e agosto. O clima adverso e a presença de pragas, especialmente em lavouras da Bahia, minou o potencial de produção do fruto.
Fonte: Globo Rural