É impossível pensar em Gana sem associar o país ao cacau. A história dessa commodity está profundamente entrelaçada com a economia, a política e a cultura ganesa. Desde a primeira exportação experimental no final da década de 1880, Gana, então conhecida como Costa do Ouro, tornou-se o maior exportador mundial de cacau em 1911, mantendo essa posição até o final dos anos 1970, quando foi superado pela Costa do Marfim. Hoje, Gana e seu vizinho produzem juntos cerca de 60% do cacau mundial. Porém, a importância do cacau para Gana vai muito além de sua contribuição econômica.
O cacau moldou a sociedade ganesa, financiando educação, infraestrutura e criando uma rede de agricultores que transformaram a produção em um legado familiar. No entanto, o setor enfrenta uma crise sem precedentes. Mudanças climáticas e a concorrência com a mineração ilegal de ouro colocam em risco a produção de cacau, e Gana corre o perigo de perder a cultura que a definiu por mais de um século.
O impacto das mudanças climáticas
A mudança climática já transformou radicalmente o cinturão florestal da África Ocidental, onde o cacau é cultivado. O país experimentou uma significativa redução das chuvas, o que afeta diretamente a capacidade das plantações de cacau de prosperar. Estima-se que a terra adequada para o cultivo da cultura em Gana tenha encolhido de 2 milhões de hectares para 1,3 milhão de hectares. Essa redução ameaça a sustentabilidade da produção e, consequentemente, a economia local.
Além disso, os pequenos agricultores, que constituem a maior parte dos produtores de cacau em Gana, enfrentam desafios adicionais, como o aumento dos custos com fertilizantes e a exaustão dos solos. Muitas plantações estão envelhecidas, e a nova geração não está interessada em continuar o cultivo de cacau. O desânimo dos jovens agricultores, agravado pela competição com a mineração de ouro, leva muitos produtores a abandonarem suas fazendas ou a venderem suas terras para mineradores.
O dilema da mineração ilegal
A concorrência entre a mineração de ouro e a produção de cacau não é apenas econômica, mas também territorial. O advento da mineração artesanal de ouro, em especial nas regiões do sul de Gana, onde as terras auríferas e de cultivo de cacau se sobrepõem, resultou na destruição ambiental e na poluição dos recursos hídricos. A situação é tão crítica que a União Europeia considera o cacau ganense “perigoso para consumo”, devido aos riscos ambientais causados pela mineração ilegal.
Desde o início de 2024, a produção de cacau em Gana e na Costa do Marfim sofreu uma queda inesperada, levando os preços mundiais da commodity a dispararem. Em março de 2024, o preço do cacau atingiu US$ 10.000 por tonelada, o dobro do valor registrado apenas dois meses antes. As causas dessa crise são múltiplas: desde o impacto das mudanças climáticas até os agricultores mal remunerados e desmoralizados, árvores velhas e solos exauridos.
A solução para a crise
Para salvar a indústria de cacau, é imperativo que Gana adote uma série de medidas. Em primeiro lugar, o governo deve resolver a disputa entre o cacau e a mineração de ouro. A presença de mineradores ilegais e a destruição das terras de cultivo precisam ser controladas com urgência, sob o risco de perder uma das principais fontes de receita do país.
Além disso, o cacau precisa ser reposicionado no mercado global. Atualmente, o cacau de Gana é visto como uma commodity primária para a produção de chocolate no Ocidente. Porém, especialistas como o professor Douglas Boateng defendem a diversificação da indústria, incluindo o uso do cacau para fins nutracêuticos, aproveitando seus benefícios para a saúde. Investir em pesquisa e desenvolvimento é crucial para garantir a sustentabilidade da indústria e explorar novas aplicações para o cacau.
A estrutura atual da indústria, no entanto, representa um obstáculo. O COCOBOD, órgão estatal responsável pelo controle de qualidade e exportação do cacau, precisa ser reformado. Embora tenha garantido a reputação de Gana como um dos melhores produtores de cacau do mundo, sua estrutura centralizada impede que os produtores de cacau tenham acesso direto ao mercado e recebam incentivos para melhorar a qualidade do grão. A liberalização da indústria, como ocorreu na Costa do Marfim, poderia ser uma alternativa viável.
Por fim, a recente criação da Área de Livre Comércio Continental Africana (AfCFTA) oferece uma oportunidade única para Gana explorar novos mercados para seus produtos de cacau. A promoção do chocolate artesanal de alta qualidade e o incentivo aos produtores locais podem transformar a indústria, adicionando valor à produção ganesa e reduzindo a dependência do mercado ocidental.
Se essas medidas não forem implementadas rapidamente, Gana corre o risco de ver seu cacau desaparecer, e com ele, uma parte vital de sua história e identidade. O “ouro” ganense está ameaçado, e cabe ao governo e à sociedade tomarem as decisões necessárias para proteger essa herança.
Fonte: mercadodocacau com informações CNR
1 Comment
Onde o estado controla pode ter certeza que a exploração dos indivíduos leva ao fim.
Os produtores Ganeses ganham uma miséria pelo cacau vendido ao ESTADO de GANA, que por sua vez revende por 3 a 5 vezes o valor para multinacionais. O modelo exauriu.