Por: Livia Andrade
O termo agricultura regenerativa viralizou. Do pequeno produtor às grandes tradings e indústrias de alimentos, todo mundo diz que está fazendo, quer fazer ou tem ações que promovam o tal jeito revolucionário de produzir. Mas, afinal, o que é agricultura regenerativa?
O conceito ainda parece estar em construção, com algumas discussões ainda na pauta dos mais entendidos. Mas, de forma simplificada, pode-se traduzir a agricultura regenerativa como uma forma de produzir alimentos que busca o reequilíbrio do ecossistema, por meio de ações que priorizam a fertilidade do solo, a biodiversidade e a preservação dos recursos hídricos. O objetivo final é tornar a agricultura mais resiliente às mudanças climáticas, garantindo a produtividade das colheitas e renda ao produtor.
A agricultura regenerativa é um caminho sem volta. Ela é a alavanca da transição para sistemas agroalimentares mais justos e regenerativos, pensando principalmente no combate à insegurança alimentar,” diz Carla Gheler, coordenadora técnica da pasta de Sistemas Agroalimentares do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (CEBDS), que congrega 100 dos maiores grupos empresariais de diferentes setores.
Os impactos, portanto, transcendem a preocupação com o ambiente. “Alguns chamam de agricultura sustentável, outros de agricultura integrativa. Mas o importante é o resultado que este tipo de produção traz ao meio ambiente e à sociedade”, acrescenta Gheler.
Embora também existam discussões sobre a sua origem, o conceito é comumente atribuído ao americano Robert Rodale, que usou o termo na década de 1980 para designar uma conversão gradual da agricultura convencional para um modelo produtivo que demandasse menos insumos.
O termo adormeceu durante algumas décadas, enquanto a busca insaciável por produtividade tomava conta. Voltou com força em meio à urgência no combate às mudanças climáticas. A assinatura do Acordo de Paris, em 2015, reacendeu o tema, e as empresas passaram a incorporar a agricultura regenerativa nas suas metas de sustentabilidade. Hoje, todas as gigantes do agro e de alimentos têm iniciativas na temática.
Regenerar ao invés de extrair
A classificação das práticas de agricultura regenerativa é um capítulo à parte. De forma simplificada, essas ações devem buscar regenerar os recursos naturais, ao invés de apenas extraí-los. Entre elas estão práticas já disseminadas na agricultura brasileira — inclusive bem antes de o termo virar moda — como o plantio direto e a rotação de culturas.
Outras práticas estão ganhando força, como o uso de plantas de cobertura, a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), o uso racional de recursos hídricos, adoção de produtos biológicos, redução de insumos químicos, entre outras.
No mercado, cada vez mais atentos aos riscos de greenwashing, a inclusão de práticas como o plantio direto, que foram adotadas há décadas visando prioritariamente o aumento de produtividade, gerou algum desconforto. Afinal, qual é a adicionalidade para o ecossistema desse tipo de prática?
“Esse desconforto levou o universo corporativo a olhar objetivos e resultados”, diz Guilherme Raucci, especialista em sustentabilidade na agricultura e professor convidado da Fundação Dom Cabral.
Foco nos resultados
Com o intuito de medir, a partir de critérios científicos, o impacto da transição do agro global para agricultura regenerativa, surge a Iniciativa para Agricultura Sustentável (SAI, na sigla em inglês), que congrega 33 grandes empresas como Bayer, Cargill, Danone, Koppert e Syngenta.
Diante da falta de uma definição legal, a SAI estabeleceu quatro áreas de impacto universais: saúde do solo, água, biodiversidade e clima. Também listou os resultados almejados em cada uma delas e os principais princípios e práticas para alcançá-los.
O social também conta
No Brasil, o CEBDS tem uma leitura semelhante. “Não estamos nos baseando nas práticas, mas nos resultados que elas trazem. Por exemplo, o plantio direto é considerado uma prática de agricultura regenerativa, mas é feito no Brasil há 50 anos. Só ele é agricultura regenerativa? Não, a propriedade precisa respeitar outras questões ambientais e sociais. Não adianta ter plantio direto, usar de forma adequada o recurso hídrico e ter trabalho escravo”, explica Gheler.
Por isso, o CEBDS acrescenta o social às quatro áreas de impacto estabelecidas pela plataforma SAI. “Mas poucos protocolos inserem o social, justamente pela complexidade de medir resultados”, complementa Raucci.
Hoje, já há parâmetros para medir a presença de polinizadores, o sequestro de carbono, a quantidade de micro-organismos e a umidade do solo. Mas as métricas para medir os avanços da agricultura regenerativa precisam ser aprimoradas. Neste momento, tanto a plataforma SAI como o CEBDS estão debruçados nisso.
Nesta semana, a câmara temática do CEBDS receberá membros do World Business Council (WBC), que desenvolveu indicadores em âmbito global e apresentará estes critérios. O CEBDS vai, então, avaliar quais métricas podem ser usadas no Brasil. “Tendo indicadores globais, é possível fazer comparações e mostrar que o Brasil é líder na temática”, diz a coordenadora do centro.
Economia circular
Com raízes no Instituto Rodale, o conceito de agricultura regenerativa tem influências da agricultura orgânica, que enxerga a propriedade rural como um organismo vivo, em que todas as partes têm inter-relações.
“O resíduo de um componente vira alimento para o outro, criando uma economia circular dentro deste organismo agrícola”, explica Alexander Van Parys, engenheiro agrônomo e especialista em agroecologia.
Neste contexto, a ala da agricultura regenerativa alicerçada nos orgânicos, agroecológicos e biodinâmicos defende a eliminação de insumos químicos (defensivos e fertilizantes).
No entanto, boa parte dos adeptos da agricultura regenerativa fala na busca por equilíbrio no sistema produtivo e no reaproveitamento de tudo o que é possível. Nesta nova agricultura, a lógica da economia circular tem sido mantida, incluindo insumos vindos de outras áreas, como o da Rússia e Bielorrússia, proveniente da disputa dos preços dos fertilizantes a partir de 2021.
O incidente levou o setor sucroalcooleiro a usar a vinhaça (resíduo da produção de açúcar e etanol rico em potássio) em aplicações localizadas com nematicida biológico e inseticida após o corte da cana-de-açúcar.
“Neste manejo integrado, fazemos a adubação e o controle de pragas e doenças em uma única atividade. Não fazemos mais o corte de soqueira, o que diminuiu a entrada de tratores na lavoura, reduzindo a compactação do solo e resultou num incremento de produtividade de 70 toneladas por hectare para 76 toneladas por hectare no primeiro ano da vinhaça”, explica o engenheiro agrônomo Antônio Ferraz Júnior, coordenador da Agrícola JO, que tem 7 mil hectares de canaviais na região de Lençóis Paulista (SP).
Outra prática que tem feito a diferença e impulsionado o uso racional de agroquímicos é o Manejo Integrado de Pragas e Doenças (MIPD). Laercio Dalla Vechia, produtor de soja em Mangueirinha (PR), é um bom exemplo. Na safra 2019/2020, ele venceu o desafio nacional de máxima produtividade de soja do Comitê Estratégico Soja Brasil (Cesb) sem usar inseticidas.
Isso só foi possível porque, em um curso de manejo integrado no SENAR-PR, ele aprendeu a monitorar na lavoura o número de amigos naturais e inimigos naturais da soja. Com isso, colheu 118 sacas de soja por hectare, mais que o dobro da produtividade média nacional, estimada em 55,5 sacas por hectare pela Conab, e se tornou o primeiro campeão do Cesb com nenhuma aplicação de inseticida.
Mudando a chave
Nos últimos anos, a Revolução Verde, o modelo de produção agropecuária predominante no Brasil desde os pós-guerra, mostra sinais de esgotamento. O combo de sementes híbridas, fertilizantes e defensivos químicos já não dá mais resultado como deu no passado.
“Na soja, a produtividade média está estacionada nos últimos anos. Quando isso acontece, é preciso olhar para aqueles que estão produzindo 40%, 50% a mais que a média. Geralmente, o solo deles não é compactado e estão investindo na biologia do solo, uma nova fronteira a ser explorada”, diz Raucci.
A família do engenheiro agrônomo Charles Peeters é um exemplo. Produtores de grãos na região de Rio Verde (GO), eles adotam um manejo sustentável há 35 anos. Começou com plantio direto, depois veio o sistema de Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF) e, há 13 anos, Peeters intensificou o uso de produtos biológicos, principalmente no solo.