Países africanos convencem compradores e impõem preço mínimo do produto, sob justificativa de combater a extrema pobreza rural em meio a um debate eleitoral
Os governos de Gana e da Costa do Marfim aprovaram na quarta-feira (12) um acordo que fixará o preço mínimo da tonelada do cacau no mundo em US$ 2.600. O novo piso representa, por exemplo, um ganho de 7% em relação à cotação da commodity na segunda-feira (17).
O novo acordo ainda depende, entretanto, de detalhes técnicos para começar a funcionar. O encontro que tratará desses detalhes está marcado para o dia 3 de julho de 2019 em Abidjan, capital econômica da Costa do Marfim. A mudança deve ser concretizada em razão da importância econômica do produto nos dois países da costa oeste da África. Eles são os maiores produtores mundiais de cacau – respondem juntos por dois terços do setor cacaueiro. O Brasil está entre os dez maiores. Uma das ferramentas de pressão sobre os grandes compradores foi anunciar a suspensão total das vendas de cacau da safra de 2020/2021 de Gana e da Costa do Marfim até que o novo preço mínimo fosse acordado. Funcionou. Uma mudança histórica De acordo com as autoridades envolvidas na negociação – tanto políticos quanto líderes das associações de produtores –, esse tipo de acordo é incomum e reduz a pressão dos compradores: as grandes empresas processadoras do cacau nos EUA e na Europa, que raramente satisfaziam a expectativa dos produtores na ponta. “O que ocorreu nesses dois dias é histórico. Há anos, os compradores é que determinavam a cotação”, disse o diretor-geral de uma das organizações de produtores locais, a Ghana Cocoa Board, Joseph Boahen Aidoo, ao anunciar o resultado do encontro que durou 48 horas entre produtores, compradores e políticos dos dois países em Accra, capital de Gana.
A justificativa para o novo piso
Os produtores e os governos africanos dizem que o novo piso servirá para melhorar a remuneração dos trabalhadores rurais envolvidos na colheita e nos primeiros estágios de processamento do cacau. Além de melhorar a remuneração direta, eles prometem melhorar também a infraestrutura das áreas rurais e as condições de vida da população do interior. O cacau responde por 10% do PIB (Produto Interno Bruto) da Costa do Marfim, e por quase o mesmo percentual em Gana. PIB é a sigla que se refere a todos os bens e serviços de uma economia. US$ 100 bilhões é o quanto movimenta o mercado mundial de chocolate no mundo US$ 6 bilhões é a parte que fica com os produtores de cacau, o que equivale a 6% do total movimentado A desconfiança sobre o novo piso A nobre razão de melhorar a renda dos trabalhadores rurais foi alardeada pelos políticos de Gana e da Costa do Marfim. Mas compradores europeus envolvidos na negociação levantaram dúvidas de que esse dinheiro a mais chegue efetivamente na ponta. O belga Michel Arrion, diretor-executivo da Organização Internacional do Cacau, foi explícito. Ele disse que “a alta no preço mundial do produto não irá necessariamente para o bolso do produtor que se encontra em situação de pobreza extrema”. Outro ponto de desconfiança é o fato de os produtores terem decidido não condicionar o preço do produto aos programas de comércio eco-solidário, que proíbem o emprego de crianças na colheita e impõem normas de política ambiental. No acordo, há uma cláusula que estabelece um foro separado para esse debate. Eleições presidenciais no horizonte Tanto Gana quanto a Costa do Marfim passam por eleições presidenciais em 2020. Em Gana, o atual presidente, Nana Akufo-Addo, disputará a reeleição, com grandes chances de vencer. Na Costa do Marfim, o atual presidente, Alassane Ouattara, anunciou que não pretende concorrer. Lá, o cenário da disputa é mais incerto. O ex-presidente Laurent Gbagbo, condenado por crimes contra a humanidade, pode se apresentar para a corrida, assim como o ex-presidente do Congresso, Guillaume Soro, ex-aliado do atual presidente, que em fevereiro se afastou do governo para trilhar um caminho próprio em 2020. Fonte: Nexo