O agronegócio brasileiro está preocupado com a alta do desmatamento, com a má imagem do país no exterior e quer se descolar rapidamente do segmento que pratica a ilegalidade. Os ataques do presidente Jair Bolsonaro à Europa são outra angústia. O bloco compra mais de US$ 5 bilhões ao ano de soja brasileira e “dita tendências”. Nesse quadro delicado, “é questão de tempo” para um boicote a produtos do Brasil.
Esses alertas são do goiano Marcello Brito, CEO da Agropalma e presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag). Fala em nome de um setor que responde por mais de R$ 1,2 trilhão ao ano e contribui com mais de 20% do PIB. “Vai custar caro ao Brasil reconquistar a confiança de alguns mercados internacionais.”
Para ele, o agronegócio não precisa avançar sobre as terras indígenas (“já temos terras demais), as ONGs não são o inimigo (“são mais um player da economia), a preservação custa (e os produtores deveriam ser remunerados por isso) e “a riqueza bioeconômica da Amazônia é incalculável”.
Brito falou ao Valor durante a Semana do Clima, em Salvador. A seguir os principais trechos: Valor: O senhor faz uma distinção em relação ao setor da economia que representa. Diz que fala em nome do agronegócio legal. Por quê?
Marcello Brito: Faço questão de dizer isso pelo seguinte: a agricultura brasileira há 20 ou 30 anos era de baixa tecnologia e crescia por expansão de área. Em anos mais recentes, a agricultura brasileira, que é uma das mais especializadas do mundo, cresceu muitíssimo em tecnologia e em produtividade. Só que o mesmo ranço que colava no agronegócio, de desmatamento irrracional, continuou no setor. Quando hoje pegamos os dados, sejam eles de qualquer ONG internacional e nacional, sejam de qualquer instituto governamental, a gente vê que o desmatamento não tem ligação com o agronegócio. Pelo menos 80% do desmatamento, alguns falam em 90%, não têm relação com o agronegócio.
Valor: Tem ligação com quem?
Brito: Grilagem de terra, desmatamento ilegal para madeira, agricultura familiar, comunidades locais e assentamentos. Esse pessoal está ainda ligado a desmatamento porque tem baixa tecnologia e são obrigados a fazer agricultura de rotação: derruba a mata, toca fogo, aduba o solo com cinzas. Mas, como o solo amazônico é ruim, vai produzir dois ou três anos, no máximo. Aí vai para outro lugar e fazem a mesma coisa.
Valor: O sr. fala de agricultura de alta eficiência, mas a pecuária ainda tem índices muito ruins.
Brito: Baixíssimos. A pecuária brasileira ainda pode evoluir muito. O Mauro Lúcio, de Paragominas [Mauro Lúcio Costa, ex-presidente do Sindicato dos Produtores Rurais de Paragominas, Pará], costuma dizer que o pasto dele não é hotel, é indústria, e tem que ter no mínimo três cabeças por hectare para justificar o investimento. A nossa pecuária ainda tem 0,8 ou 0,9 cabeça por hectare. É muito ruim.
Valor: E desmata?
Brito: Diria que a pecuária vem dar ar de “seriedade” ao processo. Alguém vai, derruba, usa a madeira. A boa vai para as madeireiras e para o mercado, a ruim vira carvão. E alguém vai tentar tomar conta da terra e legalizar. Para fazer isso, tem que dar alguma atividade econômica. Qual a atividade econômica mais simples de se colocar em uma terra ilegal? Gado. Estou falando aqui das atividades ilegais. Mas eu falo nas minhas palestras em nome do agronegócio legal. De gente séria, que tem CAR [Cadastro Ambietal Rural] emitodo, reserva legal e que produz direito.
Valor: O sr. diz que é um setor “monstruoso” de grande. Brito: O Brasil tem mais de 5 milhões de propriedades rurais, segundo o censo rural do IBGE sendo que 85% são de até 50 hectares. Boa parte da produção brasileira está sendo feita por pequenos produtores, gente que tem nisso seu emprego, sua subsistência.
Valor: Mas qual o tamanho do agronegócio? Brito: Se se somar o alimento lá para dentro da porteira da fazenda e fazer toda a cadeia, com insumos e equipamentos, alimentos in natura, processamento de alimentos e contabilizado a venda no supermercado, este é um setor que movimenta mais de R$ 1,2 trilhão ao ano. Aqui não estão incluídos algodão, que é agro mas é usado para fazer roupa, cosméticos e fármacos. Na Agropalma, por exemplo, 20% da venda vai para cosméticos. É um setor muito importante para a economia e ultrapassa, em muito, o dado oficial, que é 20% do PIB.
Valor: Há setores da agricultura jogando para trás. Como o sr. vê isso? Brito: Não existe nenhum setor, no Brasil ou no mundo, em que não exista gente empurrando para a frente, e outros, para trás. Acho que chegamos em um ponto no Brasil em que existe uma parcela grande do agro que já enxergou que os conceitos do desenvolvimento têm que ser outros.
Valor: Parecem ser poucos. Brito: É que os que são contrários fazem mais barulho. Mas veja, temos pecuária sustentável de altíssima qualidade, produção de açúcar e álcool que dá show de sustentabilidade, a mesma coisa com laranja. Temos provavelmente a indústria de papel e celulose mais limpa do mundo.
Valor: O que pensa sobre a alta do desmatamento? Brito: A alta do desmatamento é resultado de percepção. Se se encara que a fiscalização diminuiu – e vamos ser sinceros, não diminuiu só por parte do governo federal, mas também pelos governos estaduais, porque está todo mundo quebrado. Se o presidente insiste em dizer que ambiente não é o foco dele, passa-se a percepção ao pessoal que pode desmatar.
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