Cenário externo aponta para queda do dólar no mundo todo, mas, no Brasil, será a sinalização do governo sobre o fiscal que definirá a cotação
Apesar de passar por uma forte queda no fim do ano passado, o dólar encerrou 2020 com valorização de 29% ante o real, deixando a moeda brasileira entre uma das piores do mundo.
Mesmo assim, ver a divisa cotada mais próximo de R$ 5 do que de R$ 6 é um alívio para muita gente, principalmente quem pretende viajar para o exterior quando voltar a ser permitido. Mas será que este cenário de real mais apreciado irá continuar em 2021?
Projetar a cotação do dólar é uma das maiores armadilhas para os analistas e economistas, sendo que muitos evitam traçar um valor para a moeda exatamente por conta da dificuldade, volatilidade e imprevisibilidade do câmbio, que por ter muitos fatores que impactam em seu valor, pode mudar de tendência rapidamente.
Mesmo assim, para as casas de análise que projetam as cotações, a visão neste começo de ano é que veremos um dólar um pouco mais baixo em 2021. Alguns especialistas estão mais otimistas, enquanto outros são mais conservadores, mas um ponto é quase unanimidade: o cenário doméstico será mais decisivo que o externo para o preço, especialmente a questão fiscal.
Há cerca de um mês, Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander, já destacava em evento que o cenário do dólar é binário, dependendo exatamente da questão fiscal. Se o governo seguir a trajetória de afirmar a responsabilidade fiscal e a macroeconômica, há espaço para o dólar chegar a R$ 4,60. Por outro lado, se o governo não conseguir dar uma demonstração clara sobre como vai endereçar a questão da dívida pública, a moeda americana poderá atingir R$ 6,70, segundo ela.
Apesar disso, o cenário-base da economista é de um câmbio mais baixo em meio a um cenário internacional favorável e redução de riscos fiscais, que poderão reduzir os prêmios de ativos brasileiros em geral, levando o real a se fortalecer de forma mais pronunciada. As projeções do Santander são de dólar a R$ 4,60 este ano e R$ 4,15 em 2022.
Para especialistas em câmbio, a tendência é que o dólar termine este ano em R$ 5,00, conforme aponta o mais recente relatório Focus do Banco Central. Mas muitos analistas já apontam níveis menores, mais próximos de R$ 4,50.
Em seus relatórios diários, José Faria Júnior, diretor da Wagner Investimentos, aponta que a moeda americana tem mostrado uma forte resistência no nível dos R$ 5,10 e que para poder recuar mais, os investidores aguardam as decisões do governo e Congresso sobre reformas e ações de equilíbrio fiscal.
Para ele, porém, isso deve ficar para depois das eleições para presidente da Câmara e do Senado, marcadas para fevereiro. Apenas depois disso que o mercado terá uma sinalização melhor sobre esse cenário.
Já o Bank of America diz estar “cautelosamente otimista” com relação ao real, citando valuations “atrativos” e expectativa de maior clareza sobre o cenário fiscal no primeiro trimestre de 2021.
“Acreditamos que há espaço para remover algum prêmio de risco no primeiro trimestre de 2021, à medida que o governo dá mais clareza sobre as perspectivas fiscais. Em nosso cenário-base, o teto de gastos permanecerá em vigor ao longo de 2021 e a agenda de reformas avançará, o que seria positivo para o real”, disseram em relatório Gabriel Tenorio e Claudio Irigoyen, que consideram o risco fiscal o principal motor da desvalorização de 29% da moeda brasileira no ano passado.
Roberto Motta, chefe da mesa de derivativos da Genial Investimentos, se mostra um pouco mais otimista, apontando que no melhor cenário o câmbio pode chegar a R$ 4,50 nos próximos meses. “No nosso cenário-base, o dólar vai a R$ 4,80 em 2021, sem furo do teto de gastos e com aprovação de uma PEC emergencial não muito ambiciosa […] Mas, num cenário ainda mais favorável, no qual mais reformas são aprovadas pelo Congresso em 2021, a moeda norte-americana poderia ficar abaixo de R$ 4,50″, disse ele à Reuters.
O sócio e gestor da Verde, Luis Stuhlberger, por sua vez, apontou no evento Melhores da Bolsa do InfoMoney que o dólar mais justo seria na casa dos R$ 4,20, o que não acontece por conta da situação fiscal. Por outro lado, ele alerta que, se o governo furar o teto de gastos em 2021, o nível do câmbio pode subir mais 10% a 15%.
Exterior também deve ajudar
Se o cenário fiscal doméstico deve ter mais peso para o rumo do dólar em 2021, o exterior também terá seu impacto. Diante da expectativa de recuperação econômica global e avanço das vacinas contra o coronavírus, a projeção é que o dólar tenha um desempenho mais fraco contra a maior parte das moedas globais.
Para o Citigroup, o dólar deve iniciar uma queda de até 20% este ano caso as vacinas contra a Covid-19 sejam amplamente distribuídas e ajudem a retomar o comércio global e o crescimento econômico.
O banco espera que, além do impacto das descobertas de vacinas, o dólar seja afetado pela postura dovish, ou inclinada ao afrouxamento monetário, do Fed enquanto a economia global se normaliza. Além disso, a economia mundial deve crescer em ritmo mais rápido e investidores tendem a trocar ativos dos EUA pelos internacionais.
E “se a curva de juros dos EUA se inclinar com o aumento das expectativas de inflação, isso incentivará investidores” a fazerem hedge da exposição cambial, dizem os analistas. “Dada essa configuração, há potencial para que as perdas do dólar sejam antecipadas”, e a moeda cairia em espiral mais cedo.
Já para a ASA Investments, a combinação de melhora global, fiscal mais equilibrado e queda do Credit Default Swap (CDS) de cinco anos do Brasil, termômetro do risco-país, o dólar poderia se aproximar de R$ 4,60 até o fim do ano. Porém, o cenário-base deles ainda é de R$ 4,80.
O Itaú, por sua vez, revisou em dezembro sua projeção de câmbio para 2021, reduzindo de R$ 5,00 para R$ 4,75 a expectativa para dezembro. Segundo os analistas, esta revisão ocorre diante da “sinalização de manutenção do teto de gastos”, que deve diminuir a incerteza fiscal.
“Isso, somado à retomada do crescimento econômico, o cenário global mais benigno e um balanço de pagamentos já ajustado (déficit em conta corrente perto de zero), abre espaço para apreciação da moeda em direção a um patamar mais consistente com os fundamentos”, completa a equipe de análise do banco, que vê manutenção do dólar em R$ 4,75 em 2022.
A XP Investimentos explica ainda que a recuperação do real no fim de 2020 já foi impulsionada por uma redução na percepção de risco fiscal, ajudada ainda pela aceleração das commodities e a antecipação pelo Banco Central da rolagem de swaps com vencimento em janeiro.
“Neste cenário, continuamos ver a taxa de câmbio em R$ 4,90 em 2021, com potencial de apreciação adicional se o cenário global continuar a sugerir o dólar mais fraco frente a moedas emergentes”, explicam os analistas da XP.
Os mais pessimistas
Apesar de todos apontarem os riscos e, mesmo assim, veja o real se valorizando no ano, nem todo mundo acredita que a tendência seja do dólar cair ante a moeda brasileira. O banco Société Générale ainda aposta que o dólar baterá R$ 6 este ano, com a pressão vindo da piora da economia brasileira, além de deterioração nos cenários fiscal e de dívida e dos juros baixos.
Entre novembro e dezembro, o banco francês iniciou aposta pró-dólar com a moeda a R$ 5,22, com meta de R$ 6,00 e “stop loss” (encerramento automático da operação para evitar maiores perdas) em R$ 4,90.
O Société avalia que há “crescentes” riscos de outra desaceleração econômica no país no primeiro semestre de 2021 por causa de uma “segunda onda de covid-19”. Os analistas classificam o noticiário sobre as vacinas como “positivo”, mas dizem que pode levar tempo até que alguma esteja disponível e que toda a população seja vacinada.
“No Brasil, os casos de coronavírus estão crescendo de novo, e o risco de as contas fiscais continuarem se deteriorando para evitar uma forte desaceleração econômica provavelmente manterá o real sob pressão”, afirmaram em relatório de cenários para o câmbio global em 2021.
Se de um lado analistas acreditam que o cenário externo tende a fazer o dólar cair em 2021 em todo o mundo, será o fiscal doméstico o fator decisivo para definir se o câmbio romperá os R$ 5,00 ou voltará a se aproximar de R$ 6,00. Fonte: InfoMoney