Bean to Bar e Tree to Bar: as tendências da produção de chocolate de qualidade
Quando consideramos o setor de alimentos, qualidade é um dos principais elementos motivadores de consumo. É o que indicou uma pesquisa da Fiesp em parceria com o IBOPE sobre o perfil do consumo de alimentos no Brasil, divulgada no ano passado. A produção de chocolate não se isenta desta exigência, e é com isso em mente – e também focando na sustentabilidade da cadeia cacaueira – que chocolateiros especializaram-se em produções nos formatos Bean to Bar e Tree to Bar, novas tendências, caminhos do setor.
A primeira delas, Bean to Bar, como a própria tradução do termo para o português sugere, trata-se da produção do chocolate a partir da utilização da amêndoa – ou semente – do cacau de maneira integral. Chocolateiros que trabalham neste formato, relacionam-se direta e intimamente com os produtores de cacau, justamente para entender a procedência da amêndoa que compram e, consequentemente, serem capazes de repassar a origem da produção aos seus clientes.
“As sementes chegam fermentadas e secas para a gente, em sacas de 60kg”, explica Bibiana Schneider, chocolateira e sócia-proprietária da Cuori di Cacao, “depois disso, cada chocolateiro tem a liberdade de explorar a torra e desenvolver a receita da maneira que desejar e é por isso que quando se trata de Bean to Bar, o cliente pode provar 10 chocolates que vêm do mesmo cacau e nenhum deles terá o mesmo sabor”, completa ela.
A especialista também explica que o modelo Bean to Bar é muito novo no Brasil. Ela mesma, que hoje lidera a produção de uma das marcas mais conhecidas e consolidadas no formato no país, começou a produzir de acordo com a tendência apenas em 2012.
“Antes disso, a Cuori di Cacau havia sido convidada para expor no Salão de Chocolate, em Paris. Na época, trabalhávamos com chocolate belga, que era o que tínhamos de melhor ao nosso alcance, mas lá fomos muito questionadas sobre o motivo de não usarmos chocolate brasileiro e nossa única resposta era a de que não tínhamos chocolate brasileiro bom; até então, o que se conhecia aqui era o processo industrial”, diz.
Depois disso, Bibiana estava decidida: iria apostar em um formato mais artesanal, com equipamentos mais simples. “Em 2012 lançamos três tipos de chocolates puros, a partir de uma parceria com um laboratório, e, aos poucos, fomos colocando novos produtos com o Bean to Bar no portfólio. Outros chocolateiros começaram a produzir paralelamente e isso estimulou o movimento dentro das fazendas, entre os produtores de cacau”, conta ela.
Relação com os produtores
De acordo com Juliana Aquino, produtora, chocolateira e presidente da Associação Bean to Bar Brasil, a relação entre chocolateiros e produtores de cacau faz parte do conceito tendência. “Os chocolateiros que querem compreender a origem das amêndoas consequentemente acabam investindo nas fazendas produtoras que, muitas vezes, carecem de tecnologia, conhecimento e dinheiro. Esse investimento precisa existir no Bean to Bar”, explica a presidente.
Além disso, ela afirma que a relação entre cacaueiros e chocolateiros é essencial para garantir uma produção justa em todas as etapas, garantindo a sustentabilidade – financeira, ambiental e social – muito valorizada pelos consumidores finais.
“O cacau com conceito de origem tem um valor que pode ser de 100 a 500% do valor do cacau commodity, pois é o fazendeiro que determina o preço e não o mercado. Isso afeta, logicamente, o preço final daquele chocolate, mas seu rótulo indica aos consumidores que ele foi produzido de forma justa.”
Cacaueiros que são chocolateiros: o tree to bar
Se na produção Bean to Bar a relação entre cacaueiros e chocolateiros é grande, no formato Tree to Bar, ela é ainda maior, uma vez que os próprios produtores das amêndoas são, também, os que fazem o chocolate. Mais uma vez, como o nome sugere, nessa segunda tendência, a preocupação com a procedência vem mais cedo, desde o momento do plantio e cultivo do cacau.
Juliana, que além de presidente da Associação também é produtora Tree to Bar, fala sobre a principal diferença entre as duas modalidades de produção: “Quem é Tree to Bar tem responsabilidades para com a posse da terra, impostos pagos por ela e cumprimento de regulamentos rurais que a envolvem. A preocupação vai além da qualidade e sustentabilidade do cacau para a produção dos chocolates”.
Assim como a chocolateira da Cuori di Cacau, Juliana confirma o curto tempo no qual o Tree to Bar vem sendo desenvolvido no Brasil. Junto com seu marido, à frete da produção dos chocolates Baianí, ela explica ter retomado a produção cacaueira de uma fazenda da família, no Sul da Bahia, apenas em 2013.
“Temos três séculos de cultura do cacau no Nordeste, mas a cultura do chocolate só começou na década passada. Antes, o cacau era commodity, hoje, a gente trabalha ele como a essência principal de um produto que têm abrangência geral. Estamos falando de novas técnicas de beneficiamento da amêndoa, novas espécies de cacau em estudo e um cuidado específico de plantio e manutenção da roça.”
Tendências x Chocolate industrial
O que tanto Bibiana quanto Juliana enaltecem é como as tendências Bean to Bar e Tree to Bar colocam em xeque a tradicional produção industrial de chocolates no Brasil. Não se trata de uma substituição, elas explicam, uma vez que as grandes produtoras em larga escala tem um alcance global; trata-se da oferta de um produto diferente, que atinge um público mais crítico e preocupado com o que consome.
“A partir do momento que o público começa a se preocupar com a alimentação correta do corpo, ele começa a entender esses movimentos chocolateiros”, diz Juliana, “nós não estamos sozinhos nessa luta dos produtos de origem, temos os setores dos queijos e cafés, por exemplo, surgindo com opções também e, todos juntos, fomentamos uma cultura de consumo mais ética”, completa.
Segundo ela, essa cultura é, também, muito democrática, pois valoriza os pequenos agricultores. “Acabamos esbarrando na dificuldade de competir com os preços industriais, mas isso é porque a indústria faz a substituição das gorduras naturais do cacau por outras alternativas, como o óleo de Palma, que é menos saudável, menos saboroso, e o maior responsável pelo desmatamento”.
Bibiana complementa, falando sobre como o sabor do chocolate de origem também se sobressai ao de produção industrial. “As técnicas Bean to Bar e Tree to Bar pensam nos resultados sensoriais do chocolate que será produzido e garantem experiências ímpares pois a produção é muito específica. Já a indústria recebe uma massa de cacau pronta, de origem e qualidade indefinida; essa massa passa por processos de torra a temperaturas altíssimas para mascarar odores e, depois, recebe uma quantidade enorme de aditivos que garantem sabor e textura padronizados”.
A chocolateira finaliza com uma sugestão aos consumidores: “Olhem os rótulos, nos chocolates de origem, entendemos o que são todos os ingredientes; nos industriais não. Isso diz muito sobre a produção por trás de cada um”.