A economia agroecológica, que gera renda e conserva a floresta, está ajudando a melhorar a vida dos agricultores familiares do município paraense de São Félix do Xingu. As técnicas de produção agroecológica vem ganhando espaço por meio dos sistemas agroflorestais (SAFs) em cacau e dos quintais agroflorestais para produção de polpas de frutas.
A iniciativa vem sendo disseminada entre os produtores locais pelo programa Florestas de Valor, iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora). Para o Imaflora, a forma mais eficiente de conservar a floresta em pé é assegurar uma gestão responsável dos recursos naturais.
Os trabalhos desenvolvidos em São Félix do Xingu vêm demonstrando que, com boas práticas de manejo, é possível influenciar de forma positiva as cadeias produtivas que atuam na área florestal e agrícola, ajudando a estabelecer novos modelos de uso da terra com base na destinação econômica da floresta conservada, uma necessidade urgente quando se leva em conta o perfil do município.
Localizado no sudeste do Estado do Pará, São Félix do Xingu é o município com o maior rebanho bovino do país, concentrando 2,5 milhões de cabeças de gado, conforme a Pesquisa da Pecuária Municipal de 2021, divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A cidade, que costuma liderar índices de desmatamento na Amazônia, nos últimos anos entrou na rota da produção de cacau que se expande em território paraense a partir do eixo da rodovia Transamazônica. E com a chegada do cacau, chegou também um novo horizonte de baixo impacto para a produção agroflorestal na cidade.
Uma das práticas adotadas são os plantios de cacau em sistemas agroflorestais, que preveem o plantio de diferentes espécies vegetais na mesma área e ao mesmo tempo, de forma consorciada. No caso de São Félix, o cacau é plantado junto com frutíferas como a banana e também com essências florestais como andiroba e mogno.
“Trabalhamos com SAFs diversificados visando a produção de culturas desde o primeiro ano”, explica a analista técnica do Imaflora, Karen Krull. Trata-se de uma precaução necessária, uma vez que a produção de cacau estabiliza a partir do quarto e quinto ano, promovendo o retorno econômico. Durante este tempo, os agricultores familiares precisam de outras formas de renda.
Além do plantio consorciado de espécies vegetais, as práticas agroecológicas se completam com o uso de adubação verde, biofertilizantes e caldas para controle de doenças, aliados a uma abordagem dialógica da Assistência Técnica.
“Os técnicos dialogam com os produtores. É uma troca. Ninguém sabe mais do que ninguém e todo conhecimento se constrói em conjunto e isso tem garantido uma aceitação muito boa por parte dos produtores”,
conta Karem.
O mesmo vale para os quintais agroecológicos, que são espaços de produção destinados principalmente ao plantio de espécies frutíferas nos arredores das casas. No caso de São Félix do Xingu, os quintais agroecológicos do programa Floresta de Valor estão sendo implantados em parceria com a Associação das Mulheres Produtoras de Polpas de Frutas (AMPPF) como territórios de autonomia e soberania alimentar.
Nos quintais ou nos SAFs, os métodos empregados são muito semelhantes e todos eles têm o objetivo de mostrar que uma boa produção não depende de defensivos químicos. Os técnicos fazem uma primeira visita para conversar e entender as necessidades do sistema produtivo de cada agricultor e só depois são elaborados os planos. A etapa da assistência técnica também é complementada com visitas para manejo demonstrativo de algumas técnicas como a aplicação de biofertilizantes ou de calda e realização de podas. “Muitos produtores que não tinham o costume de aplicar insumos verdes para a nutrição das plantas já encaram a alternativa agroecológica como uma forma de fortalecer a produção e aumentar a produtividade”, explica a analista do Imaflora.
Transição agroecológica ainda está no início, mas se apresenta promissora
Com a maioria dos SAFs do Floresta de Valor ainda em processo de implantação e consolidação, não são todos os produtores que compreendem bem o que significa a agroecologia. A adesão às práticas ainda está se dando aos pouquinhos e tem produtores que ainda se sentem um tanto perdidos, como o agricultor Paulo César Pereira Alves.
Com uma pequena chácara na Colônia Maguari, localizada há 30 quilômetros da sede do município, Paulo César acompanha com preocupação a vassoura de bruxa reduzir em cerca de 30% a produtividade dos seus seis mil pés de cacau. A alternativa proposta foi a implantação de um quintal agroecológico com pomar, extração de mel (que já realiza na propriedade) e produção silvipastoril. “Agora estou atrás de mais mudas de frutas, que é a minha maior dificuldade e também de entender mais sobre as técnicas”, conta.
Dificuldades que já foram superadas pelo agricultor Nelci Pereira de Carvalho. Aos 70 anos e nascido em Patos de Minas, ele chegou em São Félix do Xingu em 1992 decidido a arrumar um pedaço de terra para plantar arroz e feijão, como fazia desde muito jovem na sua cidade natal. “Em 2000 eu comecei a ver que o meu vizinho estava se dando bem com o cacau e decidi arriscar”, explica.
A aposta deu certo e hoje Nelci possui dez hectares de cacau em sua propriedade na Colônia Tancredo Neves. Dos dez hectares plantados, dois foram iniciados há um ano utilizando técnicas de agroecologia. O objetivo do agricultor é obter certificação de produto orgânico para estas novas lavouras a fim de expandir no mercado. “A gente nunca é tão velho para aprender coisas novas e agora a gente quer andar pra frente e até entrar no mercado de carbono também”, diz o agricultor.
Assim como Nelci, vários outros agricultores familiares estão não apenas aderindo às práticas, mas percebendo como as questões estão conectadas na natureza. Desde os microorganismos do solo até a diversidade de plantas, tudo influencia no resultado final da produção.
Fonte:Portal Amazônia