Ao se deslocar algumas horas pelo sudeste do Pará é comum passarmos pelas “estradas de chão”, por entre as grandes extensões de pasto do território. Às vezes com a presença da palmeira babaçu se dispersando pelas pastagens, outras vezes com as castanheiras isoladas, em geral queimadas. Tal imagem nos remete à recordação de que ali foram locais de floresta. Também, vez ou outra, é possível observar um casal de araras azuis cortando o céu, nos lembrando que estamos na Amazônia.
Na entrada do lote de uma família pode se ver um mini galpão com resfriador, indício das políticas públicas de financiamento definidas como estratégia de ocupação e desenvolvimento rural para o sudeste do Pará, há 40 anos. A casa de madeira, as redes penduradas. Ao lado da cozinha uma horta pequena para dar conta do número de crianças, além de certa produção de milho, mandioca e outros animais. Todavia, grande parte da alimentação da família é adquirida com o dinheiro que sobra da produção do gado ou do apoio de políticas públicas de transferência de renda.
Na área produtiva, o capim demonstra sinais de enfraquecimento causado pela degradação do solo, proveniente da pecuária extensiva. O resultado é a pressão sobre as áreas de mata, pois se há algo que não deixa dúvidas é a fertilidade do chão da floresta. Porém, este potencial produtivo tem prazo de validade. A baixa da fertilidade nos anos seguintes ao desmatamento, representa o risco de mais desmatamento, assim como tem ocorrido nas últimas décadas. Infelizmente, este não é o único desafio, já que as famílias também precisam lidar com um fator presente em grandes extensões de monocultura: o ataque de pragas. Nos últimos anos o ataque da cigarrinha da pastagem (Deois flavopicta) se intensificou na região, dificultando ainda mais os resultados da pecuária, encarecendo o manejo da pastagem.
Os insumos químicos, aplicados para o controle do inseto, afetam seus predadores naturais, as aves, répteis e aranhas, diminuindo ainda mais o equilíbrio desta população, agravando o problema nos anos seguintes. Esta ação tem efeito prejudicial ao meio ambiente, contaminando corpos d ‘água, afetando polinizadores e diminuindo a fertilidade biológica do solo, assim como o prazo de validade produtiva da área. Além da questão ambiental e produtiva, a ação também gera efeitos sobre a saúde das famílias, que costumam ter contato direto com os produtos aplicados.
Já um dos fatores sociais atrelados a este processo é o chamado “envelhecimento da população rural”. Tal característica remete à baixa renovação da capacidade de trabalho nas regiões rurais. Sem vislumbrar melhor qualidade de vida no campo, a juventude migra para as cidades em busca de empregos. Este é um ponto considerável pois, cada vez mais, é perceptível a compreensão de que a bioeconomia e a biodiversidade carregam grande potencial no fortalecimento econômico. No entanto, os atores centrais desta perspectiva, as famílias rurais, ainda enfrentam uma série de obstáculos frente ao desenvolvimento rural e à qualidade de vida.
Uma alternativa a estes desafios pode ser observada no município de São Félix do Xingu, no Pará. Lá as famílias rurais, em busca de possibilidades à produção extensiva da pecuária, iniciaram os trabalhos com o cultivo do cacau, atualmente uma das cadeias produtivas estabelecidas na região. No entanto, nos últimos anos os insumos produtivos químicos sofreram uma alta de preços, o que inviabilizou sua utilização por camponeses. Desta maneira, o programa Florestas de Valor, iniciativa do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), tem atuado em conjunto com as famílias beneficiadas frente à uma grande oportunidade: a transição agroecológica. As atividades contam com patrocínio da Petrobras, por meio do Programa Petrobras Socioambiental.
Na esfera produtiva, o programa realiza a implementação de sistemas agroflorestais biodiversos, mitigando os problemas da monocultura na região, e motiva o estabelecimento de cadeias produtivas diversificadas. É importante salientar que a agrofloresta, quando desenvolvida na perspectiva agroecológica, possibilita a produtividade desde o primeiro ano, fortalecendo a segurança alimentar das comunidades e gerando renda pela comercialização de produtos. Os sistemas têm como carro chefe as espécies voltadas à produção de polpa de frutas e cacau.
Um dos grandes potenciais produtivos da agroecologia é a diminuição da necessidade de insumos externos à unidade familiar, o que possibilita a construção da autonomia dos produtores rurais. Entre os benefícios, estão a diminuição de custos de produção e o fomento à crescente fertilidade do solo. No programa, as estratégias mais utilizadas são a adubação verde e a aplicação de biofertilizantes. Vale destacar que o processo de nutrição na agroecologia passa pela lógica de regeneração do solo, ou seja, fortalece a cadeia de relação ecológica da microbiota do solo, fortalecendo seu equilíbrio dinâmico.
As plantas mais conhecidas e utilizadas para adubação verde são as leguminosas, já que algumas espécies realizam a fixação biológica do nitrogênio atmosférico no solo. Esta iniciativa resulta em grande economia para as famílias, pois pode ser reproduzida pelos próprios agricultores. A implementação da adubação verde com a espécie crotalária em um hectare pode gerar o mesmo nível de fixação de nitrogênio correspondente à alcançada com o uso de 345 kg de uréia, o que gera uma e atua conomia de 700 reais por hectare. Esta espécie também na ciclagem de outros nutrientes e micronutrientes do solo, como potássio e manganês.
Outra tecnologia que vem sendo difundida na região pelo Florestas de Valor são os adubos orgânicos líquidos, os chamados biofertilizantes. As aplicações são feitas após a demonstração das técnicas de condução e manejo do cacau nos sistemas agroflorestais, para o aumento de produtividade do sistema.
Existem outras técnicas amplamente utilizadas na agroecologia, que podem ser aplicadas de acordo com cada contexto. O acompanhamento técnico no contexto da agroecologia busca identificar as demandas e práticas existentes, as valida e facilita a difusão dos saberes na comunidade. Um importante espaço, utilizado para este tipo de troca e construção de conhecimento, são os mutirões locais fomentados pela equipe técnica. Nestes espaços, além da parte prática, os participantes são convidados a realizar reflexões teóricas e compartilhar suas percepções e experiências com as outras famílias.
Fonte:Colabora