Barreira ao cacau da Costa do Marfim pode gerar disputa na OMC

 

Apesar de a demanda doméstica por cacau estar arrefecendo neste início de ano, a suspensão das importações de cacau da Costa do Marfim desde agosto de 2012 pelo Ministério da Agricultura do Brasil começa a caminhar para um conflito diplomático. É verdade que nos primeiros meses de 2015 houve uma queda de 9% no volume da amêndoa processado no país ante o mesmo intervalo do ano passado – e, consequentemente, caiu a demanda pelo produto importado, que representou 15% desse processamento, ou 11 mil toneladas. 

 

Mas o Brasil costuma importar, em média, cerca de 30% do cacau que processa e o embargo ao produto do país africano afeta as estratégias das companhias que atuam no segmento. O produto da Costa do Marfim está impedido de desembarcar no Brasil desde que dois carregamentos de cacau marfinense chegaram ao porto de Ilhéus, na Bahia, infectados por insetos vivos. 

 

Em janeiro de 2013, uma delegação de técnicos do ministério visitou os marfinenses, mas a Pasta da Agricultura argumenta que até hoje as medidas sanitárias exigidas não foram totalmente adotadas pelo país exportador. Os africanos alegam que, na prática, o governo brasileiro não tem dado qualquer posicionamento sobre a possibilidade de retomada desse comércio. E cogitam inclusive instaurar um contencioso contra o Brasil na Organização Mundial do Comércio (OMC) caso a situação perdure. 

 

Um jornal teve acesso a diversos e-mails enviados por diplomatas do Itamaraty ao Ministério da Agricultura em 2013 e 2014, nos quais relatam as "frustrações" e "inquietações" de autoridades do governo do país africano com a "continuada suspensão, pelo Brasil, das importações de cacau marfinense" e com a "falta de indicações quanto a sua retomada". 

 

Aparentemente, o fluxo de e-mails entre o Ministério das Relações Exteriores brasileiro e as autoridades da Costa do Marfim cessou em 2015, mas representantes do Itamaraty continuam recebendo as mesmas queixas dos africanos em reuniões ou eventos nos quais os encontram pessoalmente. "Não se pode descartar que o governo marfinense, caso a questão permaneça, do seu ponto de vista, sem solução, venha a decidir solicitar o assunto no Comitê de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias da OMC", diz o chefe da Divisão de Agricultura e Produtos de Base do Itamaraty, Orlando Leite Ribeiro, em e-mail de 9 de abril de 2014 encaminhado ao então secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura, Marcelo Junqueira Ferraz. 

 

Nessa mesma correspondência, Ribeiro relata conversa mantida entre o então embaixador brasileiro em Abdijã (capital da Costa do Marfim), Alfredo Camargo, e o ministro da Agricultura marfinense da época, Mamadou Coulibaly. "Caso o aqui chamado embargo permaneça sem solução, alimentando o sentimento de desilusão que pude perceber no ministro da Agricultura [da Costa do Marfim], não se pode excluir que o tema venha a escapar da esfera puramente bilateral", diz. 

 

Em e-mail mais antigo, de 22 de abril de 2013, Ribeiro já havia informado ao secretário de Relações Internacionais do Ministério da Agricultura naquele momento, Célio Porto, que a Costa do Marfim já estava seguindo os novos requisitos de fumigação do cacau bruto demandados pelo governo brasileiro. 

 

Ao periódico, Célio Porto, que deixou o ministério ainda em 2013, reconheceu ter se surpreendido com o fato de as importações estarem ainda suspensas. Um técnico do Ministério da Agricultura que participou de várias reuniões que tentaram de solucionar o imbróglio, mas preferiu falar em condição de anonimato, afirma que os produtores de cacau da Bahia de fato resistem à entrada de cacau por nenhum país. "A impressão que eu tenho é que há pressão política por parte dos produtores da Bahia. Eles não querem concorrência", diz ele.

 

Por outro lado, a indústria processadora de cacau instalada no Brasil teme depender excessivamente do fornecimento de apenas um país – Gana -, como já acontece há dois anos. "Não gostaríamos de depender da importação de cacau, mas não conseguimos vislumbrar mudança desse quadro no curto prazo", afirma Walter Tegani, presidente da AIPC, entidade que reúne as indústrias que operam no país. 

 

Segundo o diretor de Sanidade Vegetal do Ministério da Agricultura, Luis Eduardo Rangel, a importação do produto marfinense não impactou o abastecimento de cacau no país. "O comércio pode ser reaberto tão logo sejam redimensionados os requisitos de gerenciamento dos riscos de pragas que podem vir junto com as importações de cacau da Costa do Marfim. Esse procedimento está em fase avançada".

 

Procuradas pela reportagem, a Associação dos Produtores de Cacau e a Câmara Setorial do Cacau, que reúnem produtores, não se pronunciaram. Fonte: Valor

 

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