A Bahia faz chocolate

A terra do cacau está se transformando: o sul da Bahia é hoje a terra do chocolate. A região que por muitos anos teve tradição na produção de cacau para uso industrial, mais voltada à quantidade que à qualidade, produz atualmente mais de 30 marcas de chocolates de origem, entre eles os que ilustram esta página. Amma e Mendoá talvez você já conheça. Pioneiras no mercado de chocolate fino da região, podem ser encontradas nos grandes mercados do País e também no exterior. Já nomes como Amado, Isidoro, Mestiço, Modaka, Choc, Var, Maltez e Maia estão chegando ao mercado, cheios de qualidade para exibir.
Quase três décadas após a devastação das lavouras pela vassoura-de-bruxa – praga que assolou a região no final da década de 1980 e levou fazendas e famílias inteiras à falência –, os produtores de cacau, de olho no mercado crescente do chocolate gourmet, têm se dedicado ao cultivo do cacau selecionado (o chamado cacau fino) e à produção do próprio chocolate.
A ideia é ter qualidade para conquistar mercado, um grande passo para um setor que tradicionalmente era marcado pela dependência das grandes indústrias.
Não param de surgir novas marcas na região. Em 2013, havia apenas três nomes no mercado, conforme matéria publicada pelo Paladar, na época. Hoje, são pelo menos 30 – como constatamos durante a última edição do Festival Internacional do Chocolate e do Cacau, realizado em Ilhéus, em julho. Houve um recorde de novas marcas apresentando suas barras no evento.
Chocolate do sul da Bahia já é feito com amêndoas de cacau de qualidade, plantadas, colhidas e fermentadas, com atenção à cada etapa e transformadas em barra. O conceito do chocolate feito desde a amêndoa até a barra pelo mesmo produtor, from bean-to-bar, que virou sinônimo de qualidade em todo o mundo, já foi ultrapassado pelo sul da Bahia, onde a ordem agora é produzir o chocolate from tree-to-bar, quer dizer, desde a árvore. Ou seja: produzir o cacau e fazer o chocolate, muitas vezes dentro da própria fazenda. É um privilégio de poucos lugares no mundo.
Cheios de personalidade, cultivados sob normas de manejo sustentável, com alto teor de cacau e com características do terroir presentes no produto final, os chocolates do sul da Bahia buscam conquistar a certificação de Indicação Geográfica para garantir sua proteção e valorização. A partir disso, a Bahia quer se consolidar como uma região produtora de chocolate de origem no País.

Tree-to-bar
O tree-to-bar (da árvore à barra) é um conceito que define chocolates produzidos pelo mesmo fabricante, desde o cultivo do cacau nas fazendas até a barra de chocolate. É uma espécie de evolução do bean-to-bar, termo que já tomou conta do mercado de chocolates do mundo todo ao se referir a barras produzidas por um mesmo “chocolate maker” da amêndoa à barra e que, antes de enorme popularização, era sinônimo de um chocolate artesanal e de qualidade superior. Estampar na embalagem o termo tree-to-bar é um conceito relativamente novo. Afinal, é comum que a plantação de cacau e a fabricação de chocolates ocorram em países diferentes. Lugares com grande tradição chocolateira, como Suíça e Bélgica, não têm sequer um cacaueiro plantado. O Brasil, assim como a Venezuela e o Peru, está mudando essa história. Segundo os produtores, a grande vantagem do conceito tree-to-bar é o controle sobre todas as etapas de produção do cacau, desde o cacaueiro até a secagem da amêndoa – o que é essencial para se fazer um chocolate de qualidade.

Aliados na trajetória
No novo contexto que o sul da Bahia vive hoje – de valorização do cacau de qualidade –, há aliados que auxiliam os produtores a se inserirem no mercado tanto nacional quanto internacional, servindo como ponte entre eles e os consumidores do cacau e do chocolate fino. Um deles é o Centro de Inovação do Cacau (CIC), que foi inaugurado no início deste ano em Ilhéus e tem como principal função atestar a qualidade e certificar o cacau produzido na região. Trata-se de um laboratório de alta tecnologia que faz análises de amêndoas de cacau. Produtores mandam seu material para ser examinado e, a partir do laudo que recebem, dão preço ao cacau, de acordo com a qualidade da amêndoa.
Quem também age nessa frente é a Dengo, marca de chocolate lançada em junho, que utiliza o cacau fino da região. A Dengo não tem fazendas. Ela compra cacau de produtores selecionados e paga um prêmio a eles conforme a qualidade de suas amêndoas. Para atestar a qualidade, a empresa utiliza o CIC e, a partir do resultado, a Dengo fixa o preço que será pago por elas. “Já chegamos a pagar um prêmio de 70% do valor do cacau na bolsa por um cacau da região”, conta Estevan Sartorelli, fundador da marca. Hoje, a Dengo tem em sua linha 12 produtores. Mas já são mais de 80 interessados em entrar na lista. Além de comprar, a Dengo também os auxilia na capacitação de mão de obra e na melhoria da lavoura.

Não basta fazer chocolate, tem que fazer chocolate bom
Chocolate feito da amêndoa à barra ou da árvore à barra, artesanal e com cacau de origem, não é necessariamente sinônimo de chocolate de qualidade. Não há dúvida de que este movimento que ocorre no sul da Bahia, mas também em todo o Brasil, é positivo. O País saiu do campo da commodity para entrar no campo do produto final, que tem muito mais valor no mercado e pode colocar o Brasil em um novo patamar internacional. Mas ainda há um longo caminho a percorrer, conforme explica a chocolateira Paula Almeida, da Alquimia Chocolates, que levou medalha de ouro no primeiro Prêmio Bean-to-Bar. Ela estuda e trabalha com chocolate há mais de dez anos, já experimentou barras bean-to-bar americanas e europeias e não tem dúvida de que o Brasil está na curva de aprendizagem quando se trata do chocolate fino nacional. “O mais importante agora é entendermos que não basta conseguir fazer o chocolate, devemos estudar, nos especializar, provar o que está sendo feito lá fora, buscar referências nos mercados já consolidados, enfim, criar referência do que é bom para se tornar bom.”
Fonte: Estadão

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