As mudanças climáticas estão pressionando a indústria do cacau de forma inédita — e os reflexos já aparecem nas planilhas de grandes players do setor. Diante da volatilidade no fornecimento e da alta histórica nos preços da matéria-prima, a suíça Barry Callebaut, maior fornecedora de chocolate do mundo, decidiu apostar em um novo caminho: o cacau cultivado via agricultura celular.
Em parceria com a Universidade de Ciências Aplicadas de Zurique (ZHAW), a empresa iniciou uma frente de pesquisa para explorar a viabilidade do cacau produzido a partir de células cultivadas em biorreatores. A iniciativa surge após uma queda de 6% nas vendas por volume nos últimos nove meses, impulsionada principalmente por choques climáticos nas principais regiões produtoras, como Costa do Marfim e Gana.
A proposta é simples, mas ambiciosa: cultivar células de cacau em ambientes controlados, dispensando a necessidade de solos férteis, chuvas regulares ou climas estáveis. Na prática, isso representa uma redução significativa no uso de recursos como água e terra, além de cortar drasticamente as emissões associadas à produção convencional de chocolate.
“Essa parceria é um passo estratégico para fortalecer nossa capacidade de inovação e construir o futuro do chocolate,” afirma Dries Roekaerts, presidente de experiência do cliente da Barry Callebaut.
Ciência e sabor para garantir o futuro do chocolate
O projeto une a expertise da Barry Callebaut na produção de chocolate com o conhecimento técnico dos professores Tilo Hühn e Regine Eibl-Schindler, da ZHAW, referências em tecnologias de cultivo celular. Segundo a equipe, além de maior estabilidade na cadeia de suprimentos, o cacau cultivado abre portas para novas possibilidades sensoriais e funcionais, com perfis de sabor diferenciados e benefícios nutricionais ampliados.
Apesar de ainda estar em fase inicial, o projeto não busca substituir completamente o cacau tradicional, mas sim ampliar o leque de soluções possíveis diante de um cenário global incerto.
“Não se trata de eliminar o cultivo tradicional. Nosso objetivo é oferecer alternativas ao consumidor e garantir segurança de abastecimento no longo prazo”, reforça Roekaerts.
Segundo os cientistas da ZHAW, essa colaboração também aproxima a pesquisa acadêmica da aplicação prática, acelerando o desenvolvimento de tecnologias sustentáveis para o setor.
Um mercado em transformação
A movimentação da Barry Callebaut acontece em um momento crítico para o setor: os estoques globais de cacau atingiram o nível mais baixo da última década, enquanto os preços dispararam — consequência direta de secas intensas, chuvas fora de época e surtos de doenças nas lavouras.
Estudos recentes alertam que até um terço das plantações de cacau pode desaparecer até 2050, se nenhuma ação for tomada. E os impactos vão além da produção: o chocolate amargo, por exemplo, tem pegada de carbono maior do que quase todos os outros alimentos — perdendo apenas para a carne bovina. Em média, são necessários 1.700 litros de água para produzir uma única barra.
Essa realidade tem acelerado o investimento em alternativas ao cacau convencional. A própria Barry Callebaut já desenvolve produtos com sementes de girassol fermentadas por precisão na Europa. Outras gigantes, como Lindt & Sprüngli e a Sparkalis (braço de VC do grupo Puratos), também estão de olho nas possibilidades da agricultura celular.
Startups como California Cultured (EUA), Celleste Bio e Kokomodo (Israel), e a suíça Food Brewer estão na vanguarda do desenvolvimento de cacau cultivado em laboratório. Paralelamente, empresas como Planet A Foods, Voyage Foods, Nukoko e Foreverland estão apostando em fermentação de ingredientes com baixo impacto climático para criar chocolates totalmente livres de cacau.
Inovação como resposta à crise climática
O movimento da Barry Callebaut é um exemplo claro de como a indústria tradicional está sendo forçada a se reinventar diante das novas urgências ambientais. O cacau cultivado em laboratório ainda tem um longo caminho pela frente até ganhar escala comercial, mas sua promessa vai ao encontro das principais demandas do consumidor atual: produtos mais sustentáveis, éticos e resilientes.
Para o mercado plant-based e de inovação alimentar, iniciativas como essa não apenas apontam novas rotas para um futuro com menos impacto ambiental, mas também colocam a ciência e a tecnologia como peças centrais na reconstrução de cadeias de valor mais justas e eficientes.
Fonte: veganbusiness