Caça à vassoura-de-bruxa

O fomento público e a parceria com a iniciativa privada (laboratórios) são fundamentais para que a equipe do professor Gonçalo Amarante Guimarães Pereira, do Departamento de Genética, Evolução e Bioagentes, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), desenvolva o fungicida eficiente no combate à devastadora doença da vassoura-de-bruxa na cultura do cacau. 

Responsável por uma verdadeira tragédia social e econômica na Bahia, que havia se transformado na região brasileira de maior produção do fruto, a vassoura-de-bruxa é causada pelo fungo Moniliophthora perniciosa e ataca frutos, brotos e almofadas florais do cacau, provocando desenvolvimento anormal da planta, seguido da morte das partes infectadas. Recentemente, a pesquisa sobre a doença, desenvolvida pela Unicamp, foi publicada na revista The Plant Cell, da American Society of Plant Biologists. Essa foi a segunda vez que o Brasil mereceu tal distinção. 

Nativa da Amazônia, a doença da vassoura-de-bruxa, de acordo com Gonçalo Amarante, chegou à Bahia no fim dos anos 1980, por introdução humana criminosa, provavelmente via Rondônia. De origem baiana, o então recém-formado agrônomo Gonçalo Pereira foi estagiar na Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), onde tomou conhecimento da tragédia, comparável ao parasita causador da malária e, no caso humano, ao câncer. 

 

"Quando cheguei à região cacaueira, não acreditei no que vi", recorda o pesquisador, lamentando o fato de o governo não ter tratado adequadamente o problema – visto então como crime biológico -, que se propagou rapidamente. "Em vez de decretar calamidade pública, preferiu emprestar dinheiro a juros altos, endividando os cacauicultores", critica. 

 

Segundo acredita, não por acaso, a recém-divulgada pesquisa da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR) aponta Itabuna, no sul da Bahia, como a "cidade da morte", diante do assassinato recorde de adolescentes (17,11 para cada mil habitantes), que o pesquisador da Unicamp associa ainda hoje ao advento da crise cacaueira, que, além de enormes prejuízos, provocou muitos suicídios. 

 

Genoma 

 

O cientista diz ser altamente provável que falte cacau no mundo, diante do consumo que, hoje, ultrapassa a produção. "A Bahia tem potencial, mas falta dinheiro", constata, diante do quadro complexo criado com o advento da vassoura-de-bruxa. Na tentativa de colaborar, o pesquisador propôs um programa de genoma, por meio do sequenciamento do DNA do fungo da doença. 

 

Resultado: "Detectamos, em descrições detalhadas, como a doença funciona", relata o pesquisador, ressaltando que o fungo Moniliophthora perniciosa entra na planta em crescimento, localizando-se entre as células do ramo novo. "É quando a planta vê algo estranho e começa a jogar substâncias tóxicas", explica o pesquisador. "Só que o fungo desliga o metabolismo de crescimento e o gasto de energia para que não ocorra a desintoxicação. A planta acumula quantidade tão grande de substâncias tóxicas que acaba, ela mesma, intoxicada", acrescenta. 

 

Gonçalo gosta de comparar o processo de desintoxicação da planta ao uso da bicicliteca ergométrica pelo homem. Ou a uma luta de MMA, quando, segundo ele, um atleta de 150kg pegaria Anderson Silva, derrubando-o e prendendo-o pelo pescoço, sem saber que o lutador, na verdade, teria um "segundo pescoço" para respirar. "O adversário se cansaria, e o Anderson venceria a luta. Ele, nesse caso, seria o fungo", diz o pesquisador, lembrando que, no ataque ao micro-orgaismo, a planta acaba mandando nutriente para o fungo infectado. "Então, a planta com fungo produz menos frutos ou até para de produzir, começando a se matar. Trata-se do processo conhecido como apoptose, que significa a morte celular programada. Ao ramo necrosado, dá-se o nome de vassoura-de-bruxa", esclarece o pesquisador da Unicamp, salientando que a doença é típica da América do Sul. 

 

Teoria e prática 

 

O encontro do pesquisador com o produtor de cacau Edvaldo Sampaio, morto em 2013, gerou algo promissor entre teoria e prática. "Sabia o que acontecia com a doença da vassoura-de-bruxa, mas não sabia o que fazer. Ele sabia o que fazer sem saber o que acontecia", recorda Gonçalo. 

 

Enquanto o pesquisador aprofundava os conhecimentos sobre o fungo, por meio de práticas simples, o produtor baiano conseguia enganar o fungo em suas propriedades, graças à antecipação da poda na plantação de cacau, reduzindo enormemente a ocorrência da doença. "O período considerado de paradeira, de janeiro a março, era reservado para a poda da planta. Edvaldo resolveu antecipar a mesma para setembro a dezembro, reduzindo a doença. Foi aí que se descobriu que o metabolismo de nitrogênio é extremamente importante para a doença da vassoura-de-bruxa." 

 

"Tem de ser sob a forma de amônia, não de nitrato", recorda o pesquisador, lembrando que Edvaldo sempre jogava ureia no período das chuvas. Como ureia é amônia, com a poda antecipada e o uso de ureia na época certa, ele fazia uma redução do sombreamento do cacau. Como a vassoura-de-bruxa não tolera sombra, a planta não produz o cacau", explica o pesquisador, salientando o fato de que todos esses mecanismos estão interligados. 

 

Interações 

 

De 2000 para cá, cerca de 200 pesquisadores e cientistas já passaram pela equipe do chamado Programa de Genoma da Vassoura-de-Bruxa, liderado pelo professor Gonçalo. Atualmente, segundo ele, são cerca de 10 profissionais ligados à Unicamp, entre os quais Daniela Paula de Toledo Thomazzella e Paulo José Pereira Lima Teixeira. "Sem dúvida, a oportunidade de integrar o projeto tem sido muito importante na minha formação profissional", diz Daniela, lembrando que o programa abrange muitos aspectos da biologia, incluindo genética, biologia molecular, bioquímica e fisiologia vegetal, permitindo ao pesquisador uma formação bastante completa. 

 

"Além dessa multidisciplinaridade do projeto, o patossistema Moniliophthora perniciosa – Theobroma cacao (nome científico da planta) é bastante peculiar e nos trouxe a oportunidade de explorar aspectos anteriormente desconhecidos em outras interações vegetal-patógeno. Apesar de ser uma interação entre dois organismos não modelos, o avanço das técnicas de biologia molecular e sequenciamento de DNA e RNA têm nos permitido entender com detalhes as bases moleculares dessa importante doença fúngica do cacaueiro. Considerando a relevância do cacaueiro como matéria-prima para produção do chocolate, esse projeto tem um apelo não apenas científico, mas também social e econômico, uma vez que os potenciais resultados têm trazido soluções eficientes para o combate à doença da vassoura-de-bruxa na região sul da Bahia", conclui Daniela. 

 

Paulo José Teixeira, que em 2006 integrou o projeto como aluno de iniciação científica, em 2008 iniciou o doutorado nessa mesma linha de pesquisa. "Os desafios experimentais eram muitos, uma vez que tanto o patógeno como o cacaueiro não são organismos-modelo. Isso quer dizer que uma série de metodologias e ferramentas tiveram de ser desenvolvidas para permitir a realização de nossas pesquisas. Hoje, o projeto encontra-se em um notável nível de maturidade e o laboratório do professor Gonçalo se destaca como uma referência no estudo da vassoura-de-bruxa", conta. "Vale ressaltar que a importância do Projeto Genoma Vassoura-de-Bruxa vai muito além da busca de soluções para essa devastadora doença. Ao longo de seus 15 anos de existência, ele foi responsável pela formação de dezenas de mestres e doutores e pelo estabelecimento de um núcleo de excelência científica comparável aos melhores centros mundiais. Esse é um legado de extrema importância para a ciência nacional." 

 

Hoje, conforme faz questão de lembrar Gonçalo, diversos laboratórios desenvolvem projetos a partir do genoma desenvolvido pelo grupo. 

 

"A planta com fungo produz menos frutos ou até para de produzir, começando a se matar. Trata-se do processo conhecido como apoptose, que significa a morte celular programada. Ao ramo necrosado dá-se o nome de vassoura-de-bruxa". Fonte: Correio Braziliense

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