Por Celina Santos
O engenheiro agrônomo Águido Muniz, ex-presidente do IPC (Instituto Pensar Cacau), é um dos organizadores da série de mobilizações protagonizadas por produtores em cidades da região. Eles protestam porque o cacau nacionalmente produzido continua perdendo espaço para o importado, apesar de já haver oferta suficiente para suprir a necessidade das indústrias – ao contrário de quando foi instituído o chamado sistema Drawback. Os cacauicultores computam um prejuízo de R$ 350 milhões apenas neste ano de 2015.
O que pretende esse movimento de produtores de cacau, que fez mobilizações em várias cidades?
O cacau tem várias demandas. No momento, tem duas principais. Primeiro, a questão da importação, que hoje não é mais necessária. O parque moageiro que está aí precisa, para utilizar a sua capacidade máxima, de 240 a 250 mil toneladas por ano. No momento em que tivemos o problema da vassoura-de-bruxa, que a produção caiu vertiginosamente, foi criado um sistema aduaneiro chamado Drawback. Ele permite que as indústrias importem o produto com isenção fiscal e têm um prazo de dois anos para industrializar e exportar. Isso deixa a indústria moageira muito à vontade.
E vocês são contrários a esse sistema…
Num determinado momento, a importação foi necessária porque manteve o parque, supriu a demanda. Caso o consumo interno aumente e haja necessidade de importação, ótimo. Só que, no momento, a Bahia produz em torno de 150 mil toneladas e o Pará está na faixa de 100 mil. Não estou nem contando os outros estados, que deve dar umas 20 mil toneladas. Então, não há necessidade dessa importação. Como a indústria se sentiu muito à vontade com o sistema Drawback, ela está importando uma quantidade de cacau tão grande que inundou o mercado interno.
Não está tendo quem compre a produção nacional?
Hoje nós temos dificuldade de vender o cacau. Se você chegar na portaria das indústrias, vai ver filas de caminhões. Ontem mesmo eu passei lá [entrevista concedida dia 14 de agosto], tinha 13 carretas do Pará.
Nesse momento que a produção local supre a demanda, vocês buscam o caminho de volta, ou seja, que não haja mais importação…
Mesmo porque, quando se importa o cacau, tem doenças exóticas. Em 2012, um cacau da Costa do Marfim veio com insetos vivos e um defunto, um africano morto. Tem pragas que tem lá e não tem aqui. Então, é um risco desnecessário.
O movimento de vocês, portanto, é para que o Drawback deixe de existir?
Nós queremos que a indústria, através de uma previsão de safra e das informações oficiais – com a CONAB [Companhia Nacional de Abastecimento] e o IBGE –, ela importe ou não. Que a indústria só importe diante da necessidade comprovada pelos órgãos oficiais.
Com relação aos preços pagos pelo cacau importado e pelo nacional, que comparativo vocês fazem?
Cacau está sendo comprado no mercado interno por 118 a 120 reais a arroba. O preço da tonelada é 3.100 dólares e a indústria está aplicando um deságio de 900, ou seja, está abatendo e está saindo por 2.200. Já lá fora, eles estão pagando ágio. Quando compram da Costa do Marfim, pagam 3.100 (preço de Bolsa de Valores) mais 540 [dólares]. De Gana, 3.100 mais 340. Para o Equador, 3.100 mais 180. Para o Brasil, 3.100 menos 900. Com isso, desde que começaram a aplicar o deságio, deixaram de circular 350 milhões de reais na nossa região esse ano. Imagine isso dentro da economia regional! O cacau é uma cultura preservacionista, está há mais de 250 anos aqui na região preservando os remanescentes da Mata Atlântica, mantendo a biodiversidade … E, em detrimento desse cacau daqui, você importa de países que não respeitam a legislação ambiental, não respeitam a legislação trabalhista, praticam trabalho escravo infantil, então, é uma coisa absurda o que está acontecendo.
Agora, qual a vantagem para a indústria pagar mais caro para importar o cacau, ao invés de comprar no mercado nacional?
Nós não conseguimos entender isso. O Drawback permite que eles importem com isenção fiscal; eu não sei como está sendo feito isso, mas não posso fazer colocações levianas.
Em termos de produção, podemos dizer que o sul da Bahia vive um momento 100% contrário àquele quando chegou a “vassoura de bruxa”?
No período pré-vassoura de bruxa, a Bahia chegou a produzir quase 450 mil toneladas, tínhamos quase 600 mil hectares de cacau. Com a introdução criminosa da vassoura de bruxa – porque foi comprovado que foi criminosa –, fomos pro fundo do poço; chegamos a produzir 90 mil toneladas, muitas áreas foram dizimadas, viraram pasto. Com o avanço da tecnologia e das práticas de manejo, novos clones, aos poucos estamos conseguindo retomar nossa produção. A ponto de chegar a essa faixa de 150 mil toneladas. Não alcançamos aquele patamar de antes, mas já estamos quase na metade do caminho.
Qual é a segunda demanda prioritária em relação à cacauicultura?
A segunda é a questão do endividamento, um gargalo, uma questão crucial. Não existe nenhuma outra atividade agrícola no país que fique quase 30 anos sem crédito. (…) O valor nominal da dívida, na sua origem, foi de 300 e poucos milhões de reais. Hoje, está na ordem de um bilhão de reais.
O que vocês esperam que seja feito com esse débito?
Renegociação não, porque é uma dívida injusta. Nós pedimos anulação ou um desconto de pelo menos 95 por cento da dívida. Estamos em todas as formas de luta, inclusive pretendendo entrar com Ação Civil Pública. Acredito que o primeiro ato da nova diretoria do IPC [Instituto Pensar Cacau] seja a implementação dessa ação. Só lembrando que o que deixou de circular só esse ano, 350 milhões de reais, é justamente o valor da dívida de origem. Tem uma coisa que a sociedade não atentou ainda: o cacau é o terceiro produto agrícola da Bahia; participa com 17 por cento da mão de obra rural do estado e movimenta anualmente, segundo dados oficiais, na faixa de 650 a 700 milhões por ano na Bahia. Eu não vejo outra atividade na nossa região que movimente esse volume de recursos. Fonte: Diario Bahia