Quase três séculos depois de ser introduzido e ter se desenvolvido no Sul do Bahia, o cacau é a aposta da Pepsico – ela mesma, a gigante produtora de alimentos – para a região do Vale do São Francisco. A multinacional possui uma fazenda modelo em Petrolina, usada para pesquisar e demonstrar novas práticas agrícolas, onde as primeiras mudas de cacaueiros já começam a florescer, sob a sombra de coqueiros que abastecem a fábrica de água de coco da empresa, em Petrolina (PE).
O consórcio coco-cacau integra a estratégia de ESG da companhia e prevê a plantação em 30 hectares na fazenda da Pepsico e outros 20 hectares em áreas de agricultores locais parceiros. Em cerca de três anos, quando as áreas começarem a produzir, as estimativas são de um aumento de até 60% no faturamento dos produtores rurais que hoje fornecem coco-verde para abastecer as linhas de produção da Kero Coco, estima o gerente de agronegócio da empresa, Ricardo Tinôco.
“A nossa ideia é oferecer um atrativo ao produtor rural para que ele se fixe na cultura do coco. O cacau possui um alto valor agregado e o Brasil ainda importa parte deste produto. Vai precisar produzir mais para se tornar auto suficiente”, ressalta Tinôco. “Com a mesma mão de obra, será possível otimizar o uso da água, além de diversificar o trabalho”.
Ricardo Galvão, diretor de Agronegócio da Pepsico Brasil destaca que o consórcio das culturas deve possibilitar ganhos em sustentabilidade. “Com a iniciativa, deixamos de ter a monocultura em nossa fazenda de demonstração de plantação de coco-verde em Petrolina e passamos a ter um plantio diversificado de modo experimental. O cultivo de cacau exige um sombreamento que os coqueiros já oferecem”, lembra.
Nos próximos anos, a produção experimental será utilizada para compreender a melhor maneira de plantar o cacau, em harmonia com os coqueiros. Se a parte agrícola ainda demanda estes estudos, uma segurança para o projeto está na área comercial. Detentora da marca Toddy, a Pepsico já tem conversas com uma grande empresa para fazer o processamento da produção. “A gente usa o cacau em pó”, lembra Tinôco. A área que será destinada aos testes tem capacidade de produzir até 300 arrobas de cacau por ano, mas a empresa está trabalhando com a expectativa de produzir 140 arrobas, projeta Tinôco.
Mesmo com a distância geográfica em relação ao Sul da Bahia, as mudas plantadas pela Pepsico no Vale do São Francisco são de uma variedade resistente à vassoura de bruxa, praga que dizimou a produção do cacau no Sul da Bahia.
Na expectativa
A produção de coco mudou a vida de Laudemício de Castro Amorim Gomes, 50 anos. No Vale do São Francisco, há 30 anos que ele é conhecido como Lauro do Coco. Pioneiro na comercialização do produto e produção por lá. Agora, ele ainda não sabe se vai colocar o cacau no nome, porém já tem uma decisão tomada em relação ao produto. “Vou plantar”, diz. “Estou animado com a iniciativa do consórcio de coco com cacau e irei aguardar pelos primeiros resultados para avaliar a implantação na minha propriedade também”, conta o agricultor.
Se conseguir repetir o sucesso que obteve com o coco, muito provável que o produtor de Casa Nova, a quase 600 quilômetros de Salvador, consiga um novo apelido. Agora, as probabilidades de sucesso são bem maiores que lá atrás, compara. “Eu trabalhava como empregado, até que consegui juntar uns recursos, comprei um caminhãozinho e comecei a procurar carga”, lembra. Foi quando surgiu um comerciante paulista, interessado numa carga de coco.
Na época, o produto só era plantado em escala comercial na cidade de Souza, no Piauí. Lauro buscou o produto, entregou com agilidade e, para sua surpresa, recebeu uma remuneração tão boa que nem precisou se preocupar com o frete de retorno para Petrolina, onde vivia.
Em pouco tempo, já estava movimentando de 40 a 50 caminhões por semana. “Fiquei muito forte no comércio, conhecido aqui na região, e fui usando o dinheiro para estruturar minha fazenda”, diz. Em 2005, a “fazenda”, na época, era uma terra de 400 hectares, que recebeu da mãe e conhecida como um “deserto” na região de Casa Nova. “Diziam que eu era louco, mas eu coloquei na minha cabeça que iria viver daquilo ali”, conta.
Segundo Lauro, com o desenvolvimento da cultura em outros municípios, como Rodelas, na Bahia, ou mesmo em outros estados, como o Espírito Santo, os produtores passaram a sofrer com as oscilações da cultura no decorrer do ano. O que acontece é que o coco se desenvolve mais rapidamente no verão e, por isso, está disponível em maior quantidade no inverno, quando a demanda por consumo costuma ser menor.
Isso levou-o a fechar um acordo com a Pepsico, para fornecer o produto à empresa. Além de ter passado a contar com uma garantia contra as oscilações do mercado no decorrer do ano, passou a receber apoio técnico, que já trouxe resultados significativos para ele. Um exemplo está no número de cachos por coqueiros que são colhidos na fazenda dele. Antes eram 9 por ano e agora são 18, conta.
Os bons resultados se refletem na expectativa de novos investimentos na fazenda, diz Lauro. Atualmente, há 132 hectares dedicados à parceria e este número será ampliado para 200 hectares, conta. Com isso, a expectativa dele é de ampliar o número de trabalhadores formais de 22 para 50. “As pessoas que diziam que minha terra era um deserto hoje torcem para que eu viva 200 anos”, ri. Segundo ele, é da adutora da fazenda que muitas comunidades retiram a sua água, além da estrutura de fornecimento de energia.
“Graças ao coco, eu formei uma filha dentista, tenho um outro, de 19 anos, que é meu braço direito na fazenda”, conta. Além dos dois mais velhos, Lauro tem ainda um filho de 3 anos, além de um neto de 6 anos.
Cadeia estruturada
Além de garantir 25% da demanda de cocos da fábrica da Kero Coco, em Petrolina, a fazenda modelo da Pepsico cumpre um papel de estruturar a cadeia produtiva, explica Ricardo Galvão. Ele diz que o objetivo da empresa é repetir com a cultura o que aconteceu com o mercado de batatas, onde a empresa tem importante participação e um histórico no desenvolvimento de tecnologias para o cultivo. “Nossa operação agrícola segue uma lógica em que todos ganham. Precisamos dos produtores rurais para ter acesso a matéria-prima de qualidade e eles precisam ter rentabilidade para se manter no negócio”, avalia.
Com os contratos de parcerias, que atualmente abrangem 90 produtores, a Pepsico acredita que oferece estabilidade para os agricultores, uma vez que os acordos podem ser utilizados inclusive como garantias para financiamentos bancários.
Atualmente, 90% dos produtos utilizados pela empresa já são certificados como sendo de origem sustentável. Nas duas fazendas próprias da Pepsico, que abrangem 40 hectares irrigáveis com as águas do São Francisco, trabalham 136 funcionários, colocando em prática as mais modernas práticas de produção disponíveis para a cultura. Desde o início da operação nos locais, em 2013, a produção vinha crescendo, passando de 5,5 milhões de litros por ano em 2013 até atingir o ápice em 2019, com 9,4 milhões de litros. No ano passado, foi registrada uma queda ara 8,1 milhões de litros, mas este ano a perspectiva é de uma recuperação, para 9 milhões.
As técnicas de manejo também vêm permitindo a racionalização dos recursos naturais. Desde o início do projeto, o consumo de água para a produção já foi reduzido em 30%, destaca Ricardo Tinôco. “O consumo racional da água é algo que nós já transmitimos para os produtores parceiros, muitos irrigavam além do necessário, o que é desperdício e representa custos extras”, conta.
O tempo entre a colheita e o processamento do coco na fábrica da Kero Coco é de no máximo três dias. O produto é etiquetado, com lotes segregados e possui até uma espécie de “RG”. É possível saber até de onde veio a água do coco que está envazado e quando ele foi colhido através de códigos nas embalagens entregues ao consumidor final.
Do momento em que o produto é recebido na fábrica até o envaze há um tempo médio de uma hora. Para garantir o sabor do produto, a fábrica conta com o trabalho de uma tecnóloga em alimentos, que faz treinamentos sensoriais com 25 profissionais, chamados de painelistas. São os “sommeliers de coco”.
“O produto passa por uma série de testes físico-químicos, mas nada substitui as impressões sensoriais humanas”, destaca a tecnóloga Andressa Gomes, responsável pela formação dos painelistas.
*O jornalista viajou à convite da Pepsico. Fonte: Correio da Bahia