Tradicionalmente os produtores colhem o cacau durante dois períodos no ano. A colheita do chamado temporão que acontece entre abril e setembro, e a safra principal que vai de outubro a março. Mas o clima desfavorável, a falta de chuvas e consequentemente o estresse hídrico das plantas comprometeu a produtividade das lavouras na região sul da Bahia, segundo os analistas de mercado e os produtores de cacau.
Este período, em que os produtores deveriam estar colhendo os últimos frutos da safra principal 2015/2016, está passando por um momento atípico em decorrência da seca do ano passado, e vem registrando uma quebra em torno de 30% na região, e mostrando um comprometimento na safra temporã 2016/2017 que iniciará no próximo mês, em torno de 70% de acordo com o produtor de cacau e presidente do Sindicato Rural de Ilhéus, Milton Andrade Júnior. Ele conta que as chuvas que ocorreram neste início do ano serviram para recuperar o estresse hídrico da lavoura, mas há uma necessidade maior de chuvas para o desenvolvimento das flores e bilros, e assim, alcançar uma maior produtividade.
“Normalmente nós temos uma média anual de 1.800 mm de chuva na região de Ilhéus, algo em torno de 150 mm de chuva por mês, mas até agora as chuvas só chegaram a 70 mm, ou seja, estamos convivendo com período em que, temos metade da água necessária para manter as lavouras de cacau, e consequentemente estamos vendo a quebra de produção em quase todas as propriedades”, explicou.
O clima seco da região é resultado do fenômeno climático El Niño que consiste no aquecimento anormal das águas do oceano Pacífico (na região equatorial) e que em 2015 foi o mais forte dos últimos 19 anos e aumentou as chuvas na região Sul do país e tornou ainda mais rigorosa a seca do Nordeste.
O cacauicultor ainda lembrou que há 29 anos não vê uma perca tão severa nas lavouras e acredita que a situação tende a se agravar. “Desde 1987 eu não via uma perda tão severa nas lavouras de cacau. É algo preocupante, lamentável e que não sabemos como será a subsistência dos cacauicultores neste ano, uma vez que, sempre fazemos uma reserva que vai até meados de abril, pois é quando começamos a colher a temporã, e este ano, não temos cacau. Também não teremos cacau em maio e junho, ou seja, estamos completamente descapitalizados e sem auxílio algum para enfrentar esta crise”, complementa o produtor.
O analista de mercado Thomas Hartmann, também aponta uma quebra para a safra temporã e diz que: “os primeiros números que tenho recebido estão entre 700 e 800 mil sacos, contra mais de 1,58 milhão de sacos no ano passado”. Ele diz que a situação pode melhorar, mas os resultados só serão vistos no final do mês de setembro. “Se o tempo de agora em diante melhorar, com chuvas em bom volume entremeadas por períodos de sol, e o inverno não for excessivamente chuvoso e frio, estes números ainda têm uma chance de melhorar com o aumento da produção em setembro, perto do final do Temporão e também resultar numa melhora da produção na safra principal. Mas, se persistir a falta de chuvas, as perspectivas podem piorar ainda mais”, informa o analista.
Mas, segundo o meteorologista da Climatempo Alexandre Nascimento, a situação pode melhorar nos próximos meses, pois o El Niño vai enfraquecer gradativamente. “Ele está perdendo a força e vai terminar ao longo do outono, provavelmente no último mês da estação”, diz. Quanto à La Niña, de acordo com Nascimento, ela só vai atuar a partir de novembro. “O fenômeno vai se desenvolver ao longo do segundo semestre, mas só atuará realmente no último trimestre, ou seja, o ano será praticamente todo sem La Niña”, ressalta Nascimento.
Com a ausência do El Niño, e o início da La Niña, a primavera e o verão 2016/17 terão chuvas mais distribuídas pelo país. Ou seja, tanto o Norte quanto o Nordeste terão precipitações mais constantes, o que não ocorreu em 2015 e no começo deste ano.
Políticas públicas para o Cacau
Milton Andrade ainda lembra que outro fator que compromete a região e os produtores é a falta de políticas públicas para o cacau. Para ele falta apoio dos municípios, Estado e União. “Nós não temos como recorrer a ninguém, pois não temos políticas públicas que atendam aos produtores de cacau. Todas as ações são voltadas apenas para a agricultura familiar e da forma como ela é colocada nós (cacauicultores) não estamos inseridos, então, não temos o que fazer. Não temos apoio dos municípios, os prefeitos não auxiliam e também não temos ações do governo do estado e União que nos permita enfrentar a crise que estamos vivendo”, pontua.
Ele ainda lembra que o Pará reconheceu a importância do cacau para o Estado e implantou políticas de apoio para o cacauicultor e um fundo para auxiliar nas demandas da lavoura. “O governo do Pará tem investido em políticas e ações que viabilizam a produção do fruto no estado, muito diferente daqui (Bahia) onde os produtores estão a ‘Deus dará’, sem saída e sem condição até de manter a subsistência de suas famílias, parceiros e meeiros que dependem da lavoura do cacau”, finalizou. Fonte: Mercado do Cacau