A ORIGEM DO CACAU NO CHOCOLATE BEAN TO BAR

Já falamos sobre algumas características na definição de chocolate Bean to Bar aqui. Essa semana a Associação Bean to Bar Brasil publicará em seu site o conceito próprio de Chocolate Bean to Bar. Conceito que não é único, onipotente, onipresente, soberano, indiscutível, mesmo porque, desde sempre sabemos que este conceito não se fecha em nenhuma formatação pela quantidade das polêmicas. É apenas o conceito da Associação. Bem, além de outros detalhes, nesta definição está sua percepção sobre a importância da origem de cacau.

 

Origem de Cacau, porém, gente, não é a maior das polêmicas em nenhuma das definições de Bean to Bar nem no Brasil, nem mundo afora. TEMOS que saber de onde vem nossa principal matéria prima e devemos informar ao nosso consumidor. Ela precisa ser rastreável, palpável, alcançável e deve estar apta a receber todos os tipos de “vistorias”. O povo quer “assuntar” de onde está vindo o nosso alimento e o fato de informarmos as origens, preenche o vazio de uma gama de consumidores modernos que não mais se conforma com esse tipo de ignorância. As barras de chocolate Bean to Bar normalmente sinalizam suas origens, seja na embalagem seja em suas mídias sociais e com muito orgulho. As barras industriais, não.

 

A relação entre chocolate maker e produtor de cacau no Brasil é uma coisa louvável. Nos comunicamos, sabemos quem somos um para o outro. Nem sempre a relação é de amor eterno (me diga qual a relação que é), mas a maioria das vezes existe uma boa condução das negociações do cacau, nos feedbacks em relação à qualidade ou eventuais defeitos das amêndoas, na transparência das partes e por aí vai. Mas isso acontece quando as origens de cacau são do Brasil. E quando elas vem de fora??? Hummm… Fica complexo…

 

Algumas marcas de Bean to Bar têm se aventurado no investimento de trazer cacau de origens nobres fora do Brasil, prática comum na indústria do Bean to Bar nos Estados Unidos e Europa, locais não produtores de cacau. A primeira vez que vi isso foi numa barra de chocolate da marca Puravida. Uma empresa que se especializou em ofertas naturais e naturebas. Eles não são produtores de chocolate somente, mas de vários outros produtos. Porém resolveram lançar algumas barras “Bean to bar” com o cacau nobre “Arriba Nacional do Ecuador”. Tomei um susto porque na época eu tinha a certeza de que por sermos um pais produtor de cacau, só poderíamos importar amêndoas de Gana e Costa do Marfim segundo uma determinação governamental e como a barra se dizia “Bean to Bar” achei que eles estavam importando as amêndoas cruas.  Entrei em contato imediatamente pelo perigo que corríamos com uma eventual contaminação de doenças deste país em nossa cacauicultura. A resposta foi que eles importavam a “massa de cacau”. Sim, podemos importar a massa de cacau de outros países já que as amêndoas já foram torradas e processadas, eliminando os contaminantes nesses procedimentos. Mas o fato de partir da “massa de cacau” elimina o título “Bean to Bar” das barras de chocolate da Puravida. Bean to Bar, como sabemos, significa do GRÃO à BARRA, ou da AMÊNDOA à BARRA e nunca da “MASSA DE CACAU” à BARRA.

 

Essa semana tivemos mais uma experiência com a possibilidade de termos amêndoas de fora do Brasil entrando território a dentro… Outro pânico da minha parte! Porém rapidamente solucionado num papo muito construtivo e gostoso com o chocolate maker responsável pela marca gaúcha, um cara muito bacana que saiu da alta confeitaria tradicional de chocolate de cobertura para entrar na verdade da fabricação de chocolates Bean to Bar. A marca opta por ter barras de chocolate com cacau de origens de Madagascar, Indonésia, Venezuela, Equador e outros e então, mais uma vez, na posição de presidente da Associação Bean to Bar Brasil, fui checar. Bem, ele compra as amêndoas via Bélgica e Espanha, vai pessoalmente torra-las nestes países e depois traz amêndoas torradas ou os nibs de cacau já prontos para a confecção dos chocolates em sua fábrica em Gramado. Agora a polêmica é se com esse procedimento, o conceito dessas barras é mesmo Bean to Bar ou não, já que parte do processo é feito fora do Brasil e o resto dentro, mesmo que pela mesma pessoa… Deixe seu comentário aqui sobre o que acha disso.

 

De qualquer forma essa experiência foi muito legal porque elucidamos questionamentos sobre origens de cacau estrangeiras para o mercado Bean to Bar brasileiro. Por que investir em origens de cacau de fora se temos tantas origens brasileiras maravilhosas? É interessante trabalhar a possiblidade de produzirmos chocolates com variedades, texturas e notas bem diferentes das nossas? Será que consumidores estão prontos para entender tais características já que ainda nem conhecem bem o que é Bean to Bar? Ou é melhor já introduzir essa possibilidade ao consumidor de uma vez só? Até onde é sustentável essa transação de trazer matéria prima de fora com tantos tramites legais a serem obedecidos? Ou será que esse grande diferencial pra seu negócio pode ser um gol muito interessante? A vinda de amêndoas de fora poderia provocar nos cacauicultores brasileiros uma corrida mais rápida pela qualidade das amêndoas dado a ameaça de concorrência estrangeira? O que diz a legislação brasileira quanto à importação de amêndoas de cacau de outros países produtores? Muitas questões de vários âmbitos. E vale sim uma larga discussão.

Não me aprofundei o suficiente pra dar uma aula esclarecedora aqui, mesmo porque temos leitores escoladíssimos no assunto e morro de medo de me atrever a interpretar leis. Mas pelo que entendi na pesquisa rápida que fiz antes de falar com o tal chocolate maker e lendo algumas INs (Instruções Normativas), nós podemos importar amêndoas de cacau de qualquer país produtor desde que a importação passe por um conjunto bem cabeludo de procedimentos de análise fitossanitária determinados pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) do Brasil. Esse conjunto de procedimentos é preestabelecido e por tanto facilitado quando o cacau sai de portos de Gana, Costa do Marfim e da Indonésia com os quais temos acordos de relações comerciais. Os outros países produtores de cacau não têm a mesma “regalia” o que torna a importação legal das amêndoas de cacau, bem mais difícil e cara. Por favor amigos experts, me corrijam se estiver errada ou complementem a explicação nos comentários dessa coluna.

No fundo a maior preocupação é mesmo com nosso cacau e uma eventual nova contaminação por outras doenças. Já sofremos tanto com a Vassoura de Bruxa, a Monilíase já foi detectada no norte… Não merecemos mais ameaças. Precisamos mesmo é nos precaver e vigiar MUITO o trânsito de pessoas de onde há focos dessas doenças até nosso cacau. Lembro que quando fizemos o evento Bean to Bar Chocolate Week 2018 e 2019, convidamos alguns gringos para o evento e na semana seguinte ao seminário, oferecemos tours pelas fazendas da Bahia. Nossa maior exigência foi que não trouxessem roupas ou botas usadas em países produtores de cacau. Nunca houve questionamento por parte deles porque eles bem sabem dos perigos. Se sabemos de pessoas, mesmo brasileiras, que transitam entre regiões de doenças e regiões sãs, vamos alerta-las quanto a esses cuidados.

Que sejamos atentos e guardiões do nosso cacau e que saibamos sempre valorizar nossas origens. Amém.

Até a próxima!

Juliana Aquino

@baianichocolates

@valepotumuju

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