O QUE NÃO É CHOCOLATE BEAN TO BAR?

Juliana e Tuta Aquino

@baianichocolates e @valepotumuju

Janeiro 2021

Foi bom começar nossa coluna aqui no Mercado do Cacau com a definição do nosso chocolate Bean to Bar! Assim podemos observar outros aspectos de diferentes tipos de chocolates que existem no mercado.

Já que falei um pouco dele, vou começar pelo chocolate industrial. O processo é segmentado, ou seja, primeiro as grandes moageiras compram cacau bulk de todos os países produtores do mundo. Em suas máquinas torram, descascam, obtêm os nibs de cacau e os prensam, retirando grande parte da gordura natural, nossa conhecida manteiga de cacau, para repassa-la à indústria farmacêutica, de cosméticos etc. O que resta é a “torta” ou “massa” de cacau que é repassada para as fábricas de chocolate. Lá, em uma gama gigante de diferentes receitas, essa massa recebe aquilo que costumo chamar de “ingredientes misteriosos” e resulta em vários produtos de chocolate. Para ser processado, o chocolate precisa de gordura. Como manteiga de cacau já foi retirada em grande parte na fase anterior, os fabricantes vão re-adicionando outras gorduras considerando qualidade X preço e como repassar essa relação ao consumidor. Numa escala decrescente, quanto mais “fino” o chocolate, tipo os belgas e suíços, mais nobres esses ingredientes e aqui, cabe dizer, que a manteiga de cacau já desodorizada é uma das adições. Mas ainda assim, há outros elementos que continuam “misteriosos”.  Quanto mais barato o chocolate, pior a qualidade dos ingredientes usados. Vamos comparar com carne. Os ingredientes usados nas marcas consideradas boas, de alto valor no mercado, são “fillet mignon”. Os outros produtos de chocolate que às vezes nem o nome de chocolate tem, são o “chupa molho” da bagaceira toda. Tudo carne, porém. E da mesma fonte. O óleo de palma é uma das principais gorduras usadas, dos mais finos chocolates, aos menos famosos. E o óleo de coco palmiste, fruto da palma, 100% usado na composição do chocolates de cobertura utilizados na confeitaria. Essa gordura vegetal é o maior responsável pelo desmatamento na história do planeta terra, acima de qualquer outra ação do homem seja em outras agriculturas, seja em obtenção de madeira ou seja na pecuária.

Essa é a prática da indústria na fabricação de chocolates, sem mencionar o que acontece na comercialização do cacau no mundo inteiro que é bem triste. Assistam o episódio “Bitter Chocolate” no seriado “Rotten” da Netflix. Lá a verdade está bem descrita.

Porém, o que mais me incomoda não é essa prática de adição de ingredientes não naturais. Até aí comemos McDonald’s, sacos de salgadinhos e tomamos refrigerantes a torto e à direita sabendo de todos os malefícios que tem dentro desses alimentos. Mas estamos sabendo. No caso dos chocolates, tudo é muito bem omitido e muitas vezes enganado. Pra termos uma ideia da quantidade de ações e revelações equivocadas lançados ao ar pela indústria, há alguns anos começou um movimento dentro da classe dos nutricionistas, médicos e formadores de opinião, no sentido de popularizar o “chocolate amargo” como saudável pela quantidade de antioxidantes. Sim, o chocolate industrial tem antioxidantes lá no “finalzinho” do “pedacinho” “pequenininho” da porcentagem de cacau vergonhosa exigida por lei (hoje a lei determina um mínimo de 27% de cacau para que o produto seja chamado de “chocolate”). Mas tem muito mais gorduras hidrogenadas, açúcar e um tanto de coisas que derrubam esse tico de saudabilidade dos antioxidantes nessa quantidade irrisória. Nós sabemos disso porque as grande empresas de chocolate passaram a distribuir amostras de chocolates a toda a classe médica para que esses os indicassem aos pacientes. Agora que os médicos estão descobrindo o Bean to Bar, querem que a gente os forneça amostras. A gente não tem essa “verba de marketing” e acabamos perdendo essa batalha pra a indústria… Isso é bem desgastante.

São igualmente ruins certas iniciativas de marketing dessas gigantes players do mercado que só confundem ainda mais um consumidor já perdido e desrespeitado em seus direitos. Por exemplo a comunicação visual de algumas barras de chocolate industrial tem destacado o nome do país origem do cacau daquela barra. Pode até ser que aquele cacau venha realmente daquele país, mas de onde exatamente? O tratamento dele, é o mesmo dado pelos produtores de cacau especial? Existe trabalho análogo à escravidão por lá? Infantil? E quanto ao preço? É realmente recompensador? Tudo isso faz parte do conceito “Origem” que a turma do Bean to Bar carrega no peito com tanto orgulho. Outra coisa que tem acontecido é que algumas marcas têm adotado o termo “from bean to bar” nas embalagens sendo que a forma de tratamento tanto do chocolate como das transações comerciais nada tem a ver com as que nós, reais players do Bean to Bar, praticamos. Outra característica apropriada pela indústria é a indicação das porcentagens altas na intensidade de cacau sendo que não nunca há a distinção de qualidade desse cacau. No Bean to Bar o destaque da porcentagem alta nas embalagens mostra honestidade de ingredientes nobres.

Por essas e outras que uma amiga me diz: “Ju, não é seu chocolate que é caro, são os outros que são baratos”. Realmente, comer óleo de palma no lugar de manteiga de cacau é muito mais barato. Mas será que vale a pena? Muita gente se auto intitula chocólatra, mas será que a barra de chocolate comercial traz esse vício pelo real chocolate ou pelo açúcar que vem nelas? Fica o questionamento.

Com tudo, o mercado está sempre em movimento e há algumas iniciativas que são realmente sérias. Estima-se que o mercado do chocolate Bean to Bar tem arrebatado uma faixa de 3 a 5% (ainda não muito definida) do chocolate tradicional mundial e isso tem feito a indústria investir em algumas reais melhorias, nem que seja pra efeito de marketing. O chocolate Garoto, por exemplo, relançou a linha “Talento” com um toque do conceito Bean to Bar. Ele hoje é feito pela AMMA e tem um valor de mercado bem mais alto do que os outros chocolates da mesma marca. Também é conhecido o trabalho Nestlê Cocoa Plan que relançou a linha KitKat com o apelo social nas origens de cacau. Ambos são apenas UM título no universo enorme de produtos de chocolate das grandes marcas, mas pelo menos é um começo no caminho certo. Vamos torcer por mais iniciativas como elas!

Um outro nicho que tenho observado surgir no mercado dos chocolate são os “mais saudáveis”. Não são Bean to Bar no seu conceito mais purista, mas talvez sejam nossos maiores concorrentes. Marcas como a Danke, tem a praxe da compra de cacau selecionado, de origens brasileiras conhecidas pela qualidade, com vontades e convicções sociais decentes e valores melhores do que os praticados pela indústria. A produção é segmentada, em grandes volumes, com fases do processo de fabricação padronizadas e na receita levam alguns ingredientes artificiais como aromatizantes, por exemplo. Essas características os afastam do conceito Bean to Bar, mas as que cito antes os distanciam completamente do que se tornou o chocolate comercial comum no caminho desde as revoluções industriais até os dias de hoje.

E assim vamos aprendendo a lidar com o consumo consciente. É sempre bom lembrar que os valores do chocolate Bean to Bar vão muito além dos sensoriais. São baseados nas sustentabilidades ecológica, social e econômica. Mas não pode haver desvio na sensação palatar e isso, amigos, eu particularmente não troco por “extrato de baunilha” algum! Preciso saber que sabor REAL tem aquele determinado cacau sem qualquer subterfugio para mascara-lo.

Vamos brincar de descobrir? Procurem nas gôndolas os chocolates cujas listas de ingredientes te tragam termos facilmente reconhecidos, dispensando o uso de dicionários pra endente-los! E assistam meus vídeos no canal do Baianí no You Tube, ensinando como degustar chocolates Bean to Bar Parte 1 e Parte 2 😉

Bom Apetite!

Juliana Aquino

@baianichocolates

@valepotumuju

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