Por Roberto Lessa
Sou patriarca e fundador de negócios agrícolas. A agricultura é, para mim, mais do que um ofício — é o meu sonho. Um sonho que cultivei com as mãos, com estratégia, disciplina e muito amor à terra.
Mas o tempo ensina. E uma das lições mais importantes que aprendi é que meus sonhos não devem se transformar em fardos para minhas filhas. A sucessão no agro não pode ser uma imposição, mas sim um convite — livre, respeitoso e consciente.
No Brasil, mais de 90% das propriedades rurais são familiares, e segundo o Censo Agropecuário, apenas 12% têm algum tipo de planejamento sucessório estruturado. O resultado disso é um campo de conflitos silenciosos, onde o legado vira obrigação, e o patrimônio, um peso. Herdeiros que não se prepararam, ou que nunca desejaram a vida rural, muitas vezes se veem forçados a ocupar uma posição que não escolheram — e o resultado disso, quase sempre, é a perda do valor construído em uma geração inteira.
Minha condução é outra. Construo com paixão, mas sem imposição. Crio um legado, mas não uma prisão. Se um dia minhas filhas quiserem fazer parte — por desejo genuíno —, será uma alegria. Mas se seguirem outros caminhos, estarão igualmente certas.
Por isso, adoto duas estratégias fundamentais:
1. Profissionalização da gestão, com estrutura, governança e metas claras. Isso garante que a fazenda continue produtiva e sustentável mesmo sem minha presença.
2. Liquidez planejada, que transforma ativos em valor financeiro — de forma que, no futuro, o que for herdado seja útil, leve e adaptável aos projetos de vida delas.
Há muitos caminhos possíveis na sucessão rural: inclusão gradual dos filhos, formação técnica e gerencial, criação de conselhos familiares, contratos de convivência entre herdeiros, ou até a venda estruturada do negócio. O erro é achar que existe um único modelo — ou que sucessão é apenas continuidade de sangue.
A verdadeira herança está nos valores. No amor pela natureza, no respeito às pessoas, no compromisso com o que é justo e produtivo. Essa, sim, é a sucessão que importa — e que já está presente em minhas filhas, mesmo que sigam outras rotas.
Meu maior desejo é que elas se sintam livres.
E que, quando eu não estiver mais aqui, encontrem em minha ausência não o peso de uma obrigação, mas a leveza de uma escolha.
Afinal, não criamos herdeiros. Criamos filhos.