A Nestlé reforçou o seu negócio de chocolates nos últimos anos, para compensar uma possível redução no portfólio de marcas. A companhia avaliava vender marcas icônicas, para garantir aprovação final da compra da Garoto, feita em 2002 e barrada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) em 2004. Mas após uma decisão judicial de agosto, a Nestlé passou a trabalhar com a perspectiva de não vender mais nenhuma marca. A estratégia rende bons frutos à empresa – neste ano a receita com chocolates cresce mais de 7%, enquanto o mercado tem expansão de 5,8%.
A fusão da Nestlé com a Garoto é o caso mais longo em avaliação pelo Cade. Na época da fusão, o Cade avaliava as fusões após a realização dos negócios. A operação foi barrada pelo órgão antitruste dois anos após o anúncio do acordo. A Nestlé recorreu à Justiça e conseguiu suspender a decisão do Cade em 2005. Em 2009, a Justiça determinou que o caso fosse julgado novamente pelo órgão.
Em 2017, para tentar por fim ao caso, a Nestlé negociou um acordo com o Cade, que previa a venda de dez marcas, incluindo Serenata de Amor, Sensação, Lollo e Chokito. O prazo para a venda era outubro de 2017. Esse prazo foi prorrogado para meados deste ano, mas as marcas não foram vendidas. A Nestlé alegava que a crise econômica a impedia de fechar negócio.
Em 28 de agosto deste ano, o Tribunal Regional Federal (TRF) da 1ª Região decidiu anular a decisão do Cade de 2004. E determinou uma nova análise do caso pelo órgão regulador. O Cade ainda pode entrar com recurso questionando a decisão do TRF. Procurado, o Cade informou que ainda não tem uma resposta sobre o assunto.
“O mercado mudou e nenhum dos cenários apontados pelos críticos em 2002 se materializou. Nesses 16 anos entraram novos concorrentes no mercado. Os níveis de concentração que motivaram a censura do Cade à operação não existem”, diz Liberato Milo, vice-presidente de chocolates da Nestlé no Brasil.
Em 2002, quando comprou a Garoto, a Nestlé aumentou sua participação no mercado de chocolates de 30,8% para 55,2%. Hoje, a Nestlé ainda lidera, mas com uma participação bem mais baixa, de 34,1%, de acordo com a Euromonitor International. Com a redução da fatia da Nestlé, Milo avalia que a necessidade de vender marcas deixou de existir.
A Nestlé fecha este ano com expansão em relação ao ano passado. Milo diz que a empresa, com Nestlé e Garoto juntas, cresce acima da média do mercado. Para 2019, a previsão é acelerar as vendas, com a economia crescendo mais do que neste ano.
O mercado de chocolates deve crescer neste ano 2% em volume, para 274,5 mil toneladas, e 5,8% em valor, para R$ 13,28 bilhões, segundo dados da Euromonitor. Para 2019, a projeção é de incremento em volume de 2,5%, e um aumento real em vendas de 2,6%.
Milo diz que as vendas da Nestlé neste ano crescem acima de 7% em receita. Ele considera que esse aumento é resultado de um trabalho intenso de reformulação das linhas de produtos, com chocolates mais sofisticados. “Mesmo nos anos de crise, o mercado de chocolates cresceu em receita. Isso porque o mercado está mais sofisticado. O consumo de barras de 200 gramas de chocolate ao leite cedeu lugar para tabletes menores e com diferentes sabores e recheios. Nos últimos quatro anos, renovamos 100% do nosso portfólio para atender essa demanda nova de produtos”, diz Milo.
As mudanças incluíram desde redução de açúcar e aumento do teor de cacau, até criação de novos produtos. Em marcas icônicas, houve mudança de fórmula. O Prestígio passou a ter menos açúcar e mais coco no recheio. O Baton Garoto passou a ter o leite como principal ingrediente.
Dos 1.500 produtos de chocolate vendidos no Brasil, a Nestlé responde por 300 a 350 linhas. Neste ano, a companhia fez 50 lançamentos de produtos, o dobro do número de 2017. Para 2019, a previsão é manter o mesmo ritmo. “Existe espaço no mercado para lançar mais 50 produtos no ano que vem. E já temos linhas em desenvolvimento”, afirmou.
Ele cita como exemplos de novas linhas a serem lançadas em 2019 variedades de Talento com chocolate orgânico, recheado com frutos da Amazônia, em versões sem açúcar e sem glúten. Neste ano, foi colocado no varejo o Nestlé Mio, uma linha de chocolates com duplo recheio de leite e calda de frutas (de goiaba, morango e laranja). Também foi lançado o chocolate premium Les Recettes de L’Atelier, feito com pedaços de castanhas e frutas naturais. Neste mês, lançou chocolates da marca Talento com recheios de doce de leite e creme de avelã, e linhas com chocolate amargo e recheios de framboesa, maracujá, caramelo salgado e pedaços de puro cacau (nibs).
Na área de produção, diz Milo, a empresa fez investimentos de “centenas de milhões de reais” para introduzir as novas linhas de chocolates recheados. Só em 2017 o investimento em fábricas foi de R$ 480 milhões.
A empresa também informou que fez um trabalho de parceria com 10 fazendas de cacau para melhorar a qualidade da amêndoa produzida no país. Segundo Milo, entre 80% e 90% do cacau usado nos chocolates Nestlé é brasileiro. Na marcas Garoto e Talento, 100% do cacau é brasileiro.
A Nestlé também redesenhou a marca Garoto, para atender principalmente as gerações Z e “millennial” – que engloba jovens nascidos entre as décadas de 1980 e 2010, uma população de pouco mais de 50 milhões de brasileiros.
“Percebemos em pesquisas que esse público achava a marca muito séria”, afirmou Milo. Para entender melhor esse público, a Nestlé montou uma equipe de 40 pessoas, que monitora em tempo real tudo que esses consumidores falam em redes sociais sobre chocolate.
Milo disse que as linhas de Talento com recheio de doce de leite e com nibs de cacau e uma linha de Garoto Cores (recheado com confeitos) foram desenvolvidos a partir desse monitoramento. “É preciso saber o que esse público busca para continuar à frente no mercado”, disse Milo.
A Nestlé também se inspirou neste ano na frase “O brasileiro precisa ser estudado pela Nasa” para desenvolver a campanha da Garoto deste ano. Na campanha publicitária, cientistas tentam entender palavras como “bitoca”, “eita” e “mano do céu”. A empresa vai lançar latas de chocolates da Garoto com algumas dessas expressões. Fonte: Valor