Como marcas de chocolate brasileiras tentam contornar a crise global de cacau

Dá para notar nas gôndolas do mercado: este ano, além de os ovos de páscoa e chocolates estarem mais caros, há também menos opções disponíveis. A Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab) estima que haverá uma redução de 22% na quantia de ovos fabricados nesta Páscoa (serão 45 milhões de ovos em 2025, contra 58 milhões em 2024). Além disso, eles devem pesar 14% a mais no bolso em comparação ao ano passado.

O aumento de preço é resultado direto da intensificação das mudanças climáticas e de doenças que afetam as plantações de cacau (como o “vírus do broto inchado do cacau”, ou CSSV, que impacta o desenvolvimento da planta). Estima-se que 60% de todo o cacau produzido no mundo tenha sido afetado pela doença. Esses impactos têm sidos visíveis sobretudo em países da África ocidental, onde se concentram os maiores produtores da fruta no planeta: Costa do Marfim e Gana, que respondem por metade da produção. O Brasil é apenas o sexto maior produtor, com 4% do volume total.

Ainda que produza internamente uma parte do cacau que consome (sobretudo no estados do Pará e Bahia), o Brasil já não é, há anos, autossuficiente em cacau. Isso significa que importamos boa parte dos grãos para abastecer nossa produção interna. Quase todo o cacau que chega ao Brasil vem dos dois líderes mundiais, Costa do Marfim (com 80,84% das exportações) e Gana (com 19,12%).

Criatividade na crise

O cenário global tem obrigado empresas brasileiras a mudarem sua estratégia de mercado. O VP da Cacau Show, Daniel Roque, conta que a marca sente os impactos da crise do cacau desde a Páscoa do ano passado. A partir de então, seguiu um plano que envolve mais de 100 ações de contingência: entre elas, uma revisão geral de custos, aumento de eficiência de maquinário, otimização de embalagens e orientação aos franqueados para a diminuição de despesas.

A marca já produz uma pequena parte do cacau que consome (em 2024, eram 3%) em uma fazenda em Linhares, no Espírito Santo, e anunciou que vai investir R$ 1 bi para ser autossuficiente em cacau. Enquanto isso, passou a lançar mais produtos que combinam chocolate com outros ingredientes (a exemplo da linha de biscoitaria, dos gelatos e das sobremesas da marca).

Com isso, foi repassado parte do preço ao consumidor — mas em uma faixa longe da qual era prevista. Tudo isso, argumenta Roque, sem substituir a manteiga de cacau por outras gorduras. “Chegamos a pagar seis vezes mais na manteiga de cacau do que a gente pagava em um determinado momento. Não está nesse patamar agora, mas já aconteceu, e a gente não fez nenhuma alteração”, afirma Roque.

Enquanto isso, no segmento bean-to-bar, movimento marcado por maior preocupação com a origem das amêndoas, marcas como a Dengo seguem comprometidas com o cacau puro. Diferente da abordagem da Cacau Show, que diversificou sua linha de produtos, a Dengo aposta exclusivamente em chocolates com teor de cacau acima de 35% — um percentual superior ao exigido pela legislação brasileira.

Fundada em 2017, a marca surgiu quando o preço da commodity estava muito baixo, tornando a produção rural pouco rentável. “Por isso que a Dengo existe: começamos pagando um prêmio [valor extra] de preço, porque muitos trabalhadores do campo queriam migrar para a cidade e abandonar as roças de cacau, já que a atividade não dava dinheiro”, recorda Luciana Lobo, chocolatière da empresa.

Com a atual disparada do cacau, a marca começou a focar em negociações de compras de outros ingredientes que vão no chocolate, como o leite. “Obviamente agora os prêmios de preço [aos pequenos produtores] estão menores, mas a gente está fazendo um esforço interno na Dengo, de tentar olhar para algumas oportunidades que a gente não tinha nem pensado antes, de ser mais produtivo, de diminuir perdas, de melhorias”, afirma Lobo.

Do grão à barra

Além de afetar as marcas com expressão nacional, que abocanham uma parcela maior do mercado, os impactos disso são particularmente sentidos pelos negócios mais artesanais e/ou regionais, que muitas vezes enfrentam desafios adicionais para se adequar ao novo cenário.

Um exemplo é a Luisa Abram Chocolates, marca bean-to-bar que realiza um trabalho sustentável com comunidades ribeirinhas e agricultores locais na Amazônia. Todo o processo é artesanal, incluindo a fermentação e a secagem do cacau-selvagem, manipulado pelos próprios povos ribeirinhos para a geração de renda.

Abram começou em 2014, produzindo chocolates na despensa da casa dos pais. Hoje, ela tem uma fábrica na zona sul de São Paulo, próxima de Santo Amaro, de onde gerou um faturamento de R$ 4,5 milhões só ano passado (com previsão para faturar R$ 6 milhões em 2025). Para a empresária, o segredo do chocolate está justamente na manteiga de cacau: “ela tem uma propriedade que o ponto de derretimento é muito similar à nossa temperatura corporal”, destaca.

Contudo, Abram afirma que, ao longo de décadas, as pessoas “se acostumaram a pagarem muito pouco por esse ouro”. Agora, com o cacau aumentando de preço, ela reajustou os valores repassados para os produtores ribeirinhos. “Eu não acho justo, né? Se o cacau está aumentando, eu pagar os mesmos valores que eu paguei no passado [pelo cacau-selvagem]”, diz.

Mas, com o preço da matéria-prima nas alturas, é fato que o cultivo do cacau para a produção de chocolate bean-to-bar poderá ficar cada vez mais raro. “Não tem porque o produtor ficar esperando de 6 a 7 dias a mais para o cacau fermentar, para ele conseguir fazer cacau fino e depois ter que vender isso em porções muito pequenas, porque a fábrica bean-to-bar nunca compra 10 toneladas [de cacau]”, problematiza Abram.

Com a crise, Abram e outras marcas artesanais já enfrentam dificuldade de implementar, inclusive, o aumento de preço dos chocolates nos comércios. “Isso que a gente está falando de varejistas classe A aqui em São Paulo, como Santa Luzia, Italy, Santa Maria, Sacolão Higienópolis, Quitanda, enfim, todos gourmets“, cita.

Essa dificuldade em repassar os custos ao consumidor final reflete um problema cíclico no mercado do cacau, que já passou por grandes turbulências no passado. Esta, aliás, não é a primeira grande crise da indústria cacaueira: nos anos 1970, um colapso similar impactou países da África Ocidental e da América Latina. O aumento dos preços levou a uma superprodução na década seguinte, o que resultou em uma queda brusca nos valores e dificuldades econômicas para muitos agricultores. “O cacau já foi uma commodity muito barata, associada ao trabalho escravo e infantil”, recorda. “Isso fez com que ela fosse a única commodity que durante 50 anos não tivesse reajuste de preço”.

Sem essa adequação no preço, os produtos “derivados do chocolate” foram entrando no cotidiano das pessoas. “O maior mercado consumidor de cacau no mundo é a Europa. Lá, não é raro você encontrar chocolate por 1, 2 euros. Isso é o problema”, considera.

Outro exemplo é a marca bean-to-bar Mission Chocolate, que também utiliza poucos ingredientes, tem realizado alguns cortes na produção. “Nós temos feito TODO possível para não passar o custo por completo para o cliente”, declara por e-mail Arcelia Gallardo, dona e chef da empresa. “Temos reduzido o time, reduzido nosso catálogo de produtos, criamos chocolates menores, em vez de 60g, agora fazemos opções em 20g. Assim conseguimos manter nossa qualidade”.

Fonte: revistagalileu.globo

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