Onda do bean-to-bar ganha força em São Paulo: novos produtores ocupam a garagem, o quintal ou a cozinha de casa para fazer chocolate do zero. Da amêndoa do cacau à barra, eles controlam todo o processo de fabricação
Andou sentindo cheiro de chocolate vindo da janela do seu vizinho? É alta a chance de ser um bolo saindo do forno. Ou pode ser também que ele esteja produzindo chocolate na cozinha de casa e você nem percebeu. Essa segunda possibilidade talvez pareça estranha. Mas o fato é que cada vez mais pessoas estão se aventurando no universo dos chocolates bean-to-bar (do grão à barra, em tradução livre) de produção artesanal. Em São Paulo, o movimento ganha força com pelo menos três novas marcas de chocolate no mercado.
Essa onda chocolateira paulistana tem a chef Luisa Abram como uma das precursoras. O Paladar mostrou no ano passado como ela transformou o quarto de empregada do apartamento dos pais em uma minifábrica de chocolates bean-to-bar 100% brasileiro. Na mesma linha, três novos empreendedores resolveram, no último ano, abrir um espaço dentro de casas para produzir chocolate controlando todo o processo, da amêndoa até a barra.
O casal Cesar Frizo e Vanessa Rizzi, da Raros Fazedores de Chocolate, tirou os carros da garagem da avó de Cesar e a transformou numa pequena fábrica. A americana Arcélia Gallardo, da Mission Chocolates, deu um jeitinho brasileiro e transformou a cozinha e a área de serviço do apartamento na região do Itaim Bibi em linha de produção. Bruno Lasevicius, da Casa Lasevicius, já se mudou para um espaço maior, mas começou na cozinha de casa.
Da fazenda à cidade. O grande trunfo deles não é o espaço físico, mas a disposição para encontrar boas amêndoas de cacau, levando em conta variedade, terroir e safra, e fazer chocolate de qualidade, definindo parâmetros de produção. É trabalho de artesão.
No chocolate bean-to-bar, o sabor da barra depende 100% da qualidade da amêndoa do cacau. O processo, portanto, começa nas fazendas, junto com os produtores. É preciso manter relação estreita com os cacauicultores para garantir que as etapas de plantio, fermentação e seca tenham recebido os devidos cuidados.
O resultado é que os chocolates bean-to-bar permitem conhecer e saborear diferentes tipos de cacau, de diferentes regiões. Assim como no vinho ou no café, o terroir (a confluência de fatores como local de plantio, clima e altitude, que exprimem a particularidade de um produto) é determinante.
A diferença em relação a chocolates convencionais é notável. É que, na indústria, os chocolates são feitos da mistura de amêndoas de cacau de diferentes procedências com diversos aditivos para padronizar o sabor. Mesmo alguns chocolates ditos finos são menos complexos que os bean-to-bar, pois acabam usando massa pronta feita por marcas como a Callebaut.
Assim, a ideia dessas novas marcas paulistas é mostrar a qualidade do chocolate nacional e engrossar o coro de que o Brasil tem tudo para deixar de ser apenas um exportador de cacau commodity.
O bean-to-bar no Brasil e no mundo
A ideia de o chocolateiro dominar todo o processo de produção do chocolate começou há pelo menos 15 anos nos Estados Unidos e na Europa veio ganhando força recentemente. Até mesmo grandes nomes da gastronomia aderiram ao movimento: Alain Ducasse, premiado chef francês, abriu em 2014 uma modesta, para seus padrões, fábrica/loja de chocolates bean-to-bar na periferia de Paris, a Le Chococlat. Hoje, ele já tem três lojas espalhadas na cidade
No Brasil, algumas empresas já têm destaque internacional, caso da AMMA, marca de chocolates orgânica da Bahia. Criada em 2007, ela cuida da cadeia inteira da produção das suas barras, começando na plantação de cacau em Ilhéus, seguida pela fermentação, torra, até a produção do chocolate, tudo em solo baiano. Já na embalagem da própria marca, viaja para prateleiras de lojas especializadas mundo afora. Fonte: Paladar Estadão