Cheiro de cacau, açaí, andiroba ou castanha. O uso de espécies nativas da biodiversidade brasileira e a busca por novas fragrâncias para expandir a paleta dos perfumistas é uma tendência que pode ser verificada pela grande quantidade de cosméticos com ativos brasileiros lançados nos últimos anos. Somente uma das linhas de produtos de uma empresa nacional utiliza em suas composições 11 espécies nativas.
Segundo Daniel Sabará, representante do Instituto de Tecnologia e Estudos e da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ITEHPEC/ABIHPEC), há uma evolução do apelo “natural” no mercado global de cosméticos. “Vivemos uma quebra de paradigma no que diz respeito à utilização da biodiversidade brasileira.”
O pesquisador Humberto Bizzo, da Embrapa Agroindústria de Alimentos, sabe bem disso. Há quatro anos, ele e o pesquisador Roberto Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, se uniram para colocar os aromas do Cerrado pela primeira vez na paleta internacional de aromas e perfumes.
“As casas de aromas mundiais contam hoje com mais de 3 mil extratos naturais para a produção de perfumes e cosméticos, mas nenhum deles inclui matéria-prima do Cerrado”, constata Bizzo. A escolha do Cerrado se deve ao fato deste bioma ter mais de 12 mil espécies catalogadas, mas ainda ser pouco estudado do ponto de vista fitoquímico.
Assim nasceu o projeto “Espécies Aromáticas do Cerrado”, que já está na segunda fase e cujo objetivo é buscar aromas e óleos essenciais em plantas do Cerrado. Desde 2012, quando o projeto teve início, já foram coletadas mais de 150 amostras representativas de 50 espécies. Destas, cinco foram selecionadas por perfumistas da multinacional de essências Givaudan como tendo “aplicação potencial na indústria de fragrâncias e cosméticos” e uma já está na fase de estudos para formulação.
Percepção do consumidor
“Metade das espécies de plantas do mundo ainda não foram descobertas. Por isso, acreditamos que temos ainda muitas oportunidades para ampliar os ingredientes da perfumaria internacional”, acrescenta Maurício Cella, diretor de Tecnologia e Inovação da Givaudan.
A Givaudan fez um estudo recente em diversos países do mundo para entender a percepção do consumidor em relação ao futuro das perfumarias finas (colônias). Os dados mostraram que os consumidores ainda entendem que os ingredientes vegetais permanecerão como base da perfumaria. “A fragrância do futuro será a representação do odor ideal para o consumidor”, observa Cella.
E o mercado da perfumaria precisa mesmo se renovar, já que uma única fragrância é composta por um percentual que varia entre 20% e 80% de ingredientes diferentes. E, dos aproximadamente de 3 mil extratos naturais existentes para a produção de perfumes e cosméticos, somente cerca de 20% são produtos aromáticos.
Entre os fatores sensíveis para a perfumaria mundial, Cella destaca as questões de regulação do mercado (lei de acesso ao patrimônio genético), a segurança na oferta de suprimentos (qualificação do fornecimento de insumo vegetal) e a relação preço versus performance, considerada sensível pelo setor.
“Temos o grande desafio de organizar e desenvolver um arranjo produtivo nacional de aromáticas, melhorando assim toda a cadeia de suprimentos”, afirma.
Ingredientes de origem vegetal
Dentro de cinco anos a Natura, empresa brasileira de cosméticos e perfumaria, pretende que 85% dos ingredientes que utiliza sejam de origem vegetal. “A gente acredita que esse mercado continuará se expandindo fortemente”, destaca o diretor de Pesqu isa Avançada & Aplicada da Natura, Daniel Gonzaga.
Para alcançar essa meta, a empresa criou o Núcleo de Inovação Natura Amazônia, que concentra atualmente um terço do portfólio de projetos. “Realizamos pesquisas na área de bioprospecção, biotecnologia e também na utilização de resíduos da floresta.” Para Gonzaga, o fato de a Amazônia abrigar 10% das plantas de todo o planeta é motivo suficiente para investir na região.
A Natura também mantém uma cooperativa com 33 comunidades supridoras de matérias-primas e ingredientes, um total de 3 mil famílias. Elas produzem palma de dendê, madeira, cacau e cupuaçu num sistema de consórcio. “O plantio consorciado dessas espécies gerou um resultado exponencialmente superior. Esse é o tipo de projeto que a gente quer explorar mais no futuro”.
Recentemente, a empresa passou a investir na prospecção de 23 óleos e manteigas oriundos da biodiversidade brasileira. Para chegar a um resultado satisfatório, será feito um estudo com mais de 150 genes diferentes, o chamado “screening genômico”, que possibilitará à Natura descobrir características olfativas inéditas.
O potencial de utilização de plantas típicas da biodiversidade brasileira em diversos ramos da agroindústria foi tema do Workshop Nichos de Mercado para o Setor Agroindustrial: Espécies Nativas do Brasil, promovido pela Embrapa nos dias 21 e 22 de setembro em Campinas (SP). O evento reuniu 190 participantes, entre inscritos e convidados, de aproximadamente 65 instituições. Fonte: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento