‘Mercado de cacau fino não pode morrer’, diz produtor premiado

Consultor afirma que indústrias vão começar a comprar cacau caro a partir de abril e repasse de preços ao consumidor é inevitável

O capixaba Emir Macedo Gomes Filho, produtor de cacau há mais de 30 anos em Linhares (ES), venceu concursos nacionais de qualidade e já teve uma de suas amêndoas escolhida como uma das melhores do mundo no Salão do Chocolate, realizado em Paris. Agora, com o preço do cacau commodity alcançando o dobro do valor do ano passado e se aproximando do valor do cacau fino, ele teme que seus colegas brasileiros recuem na produção de amêndoas especiais e optem por vender tudo para as grandes indústrias moageiras.

“Se o preço continuar subindo, os produtores vão acabar optando por vender toda produção como commodity, que é muito mais fácil e barato de produzir. Isso seria muito ruim, pois esse mercado de cacau fino durante muito tempo nos socorreu, pagando preço justo. Não podemos deixá-lo morrer”, diz Emir, que tem cerca de 70 mil pés em produção.

Da quinta geração de cacauicultores da família, ele entrega atualmente 70% da produção para as moageiras multinacionais e vende os outros 30% a chocolatiers para a produção de chocolates especiais. “Meu plano é aumentar para 50% o repasse de cacau fino.”

Raimundo Mororó, diretor da fábrica de chocolates “bean to bar” (da amêndoa à barra) Mendoá, instalada dentro da fazenda Riachuelo, em Ilhéus, diz que houve quebra de safra na região no ano passado e pode realmente faltar cacau para o produto especial. Ele afirma que ainda não falta matéria-prima para moer na fábrica que produz 400 kg de chocolate por dia, mas já teve que comprar cacau orgânico de pequenos produtores.

“Se a commodity mantiver o preço alto, pode ficar inviável produzir o cacau fino, que vai subir demais e o cliente não vai aceitar pagar 40% ou 50% a mais.”

O Brasil possui cerca de 250 marcas de chocolates bean to bar e tree to bar, com uma produção total de 600 a 1.000 toneladas, na estimativa de Bruno Lasevicius, presidente da Associação dos Produtores de Bean To Bar. O volume é insignificante diante das 700 mil toneladas de chocolates das afiliadas da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Amendoim e Balas (Abicab).

Anna Paula Losi, presidente da Associação das Indústrias Processadoras de Cacau do Brasil (AIPC), diz que os aumentos da commodity na Bolsa de Nova York vêm desde o segundo semestre de 2023, causados pelas quebras de safras devido ao El Nino e pelo aumento de doenças nas lavouras mais antigas da Costa do Marfim e de Gana, países africanos que são os maiores produtores mundiais de cacau.

“Não sabemos como o mercado vai reagir, mas a tendência de preços agora é altista. A dica é o produtor investir na renovação e em mais tecnologia em suas lavouras visando criar um colchão de proteção para quando surgirem as situações delicadas.”

Repasses inevitáveis

Adilson Reis, que trabalha há mais de 30 anos com cacau na região de Ilhéus, disse que o mercado do cacau fino é realmente muito pequeno no Brasil, mas pode sim ser abalado pela alta do preço da commodity.

“As moageiras trabalharam até agora com estoques do ano passado, comprados a US$ 2.500 a tonelada. Vão ter que voltar a comprar de fato em abril ou maio. Hoje, está passando de US$ 6.000 a tonelada. No segundo semestre é que vamos entender para onde vai o mercado, mas os repasses serão inevitáveis. Será que vai dar para dobrar o preço do chocolate comum na gôndola? No caso do chocolate premium, vai ser pior. O produto deve ficar ainda mais premium e para poucos.”

Segundo o consultor baiano, que diz ter nascido em um armazém de cacau do pai e trabalhou muitos anos em multinacionais de cacau, o mercado já esperava o aumento de preços da amêndoa porque o setor vinha com déficit global há dois anos.

“É muito arriscado ter 72% do cacau do mundo produzido num lugar só. Sabíamos que Gana e Costa do Marfim tinham lavouras antigas, sem renovação, sem investimentos. Isso foi agravado pela pandemia, que criou uma crise econômica grande nos dois países, onde o mercado do cacau é regulado pelo governo”, diz Reis.

Na Costa do Marfim, cuja safra começou em 1º de outubro, diz o consultor, a produção está 32% abaixo do ano passado. “Choveu muito em julho na formação da safra. Foi o maior nível de chuvas em 50 anos e depois veio o El Nino pesado.”

Para Reis, a situação é ainda pior em Gana, que perdeu muito com um vírus (broto inchado) que teria afetado 500 mil hectares de cacau. Há duas safras, o país produzia 1,045 milhão de toneladas e este ano deve ficar perto de 600 mil toneladas.

Ele acredita que o produtor brasileiro ainda vai lucrar bastante com o preço alto da commodity, que nesta terça-feira (5/3) fechou a US$ 6.450 a tonelada nos contratos para maio na Bolsa de Nova York.

“Quinhentos reais a arroba (15 kg) é um preço inédito de 20 anos para cá. Nunca se viu preço nominal nem perto disso”, diz Reis, acrescentando que nesta época no ano passado as moageiras de Ilhéus pagavam R$ 205 pela arroba.

O valor só não é maior, lembra, que nos anos áureos do cacau, nas décadas de 70 e 80, antes da crise da vassoura-de-bruxa, quando o poder de compra do produtor lhe permitia comprar um carro médio de luxo com 100 arrobas de cacau. “Hoje, mesmo com o recorde da arroba, não compra nem um carro simples. Na época, os insumos eram mais baixos, assim como os custos trabalhistas e todos os outros custos.”

Fonte: Globo Rural

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