Foi um dos símbolos do colonialismo português, foi o produto rei de São Tomé, continua a ser o que mais se exporta. Quarenta anos depois da independência, o cacau já não tem o poder que tinha — mas ainda mexe. O que é que o cacau nos conta sobre estes últimos 40 anos?
Na Avenida Marginal 12 de Julho há dois palcos preparados para celebrar este domingo o dia da independência de São Tomé. A festa avizinha-se com ensaios de som, e alusões à data com as cores da bandeira nacional espalhadas como logótipo das festividades: verde, amarelo e vermelho. Atrás do palco está o mar.
Nazaré Ceita, historiadora, 50 anos, aponta para a avenida e lembra uma memória da sua infância: o cheiro a cacau que vinha dos armazéns onde era depositado um dos produtos que mais ficou associado a estas ilhas a partir dos finais do século XIX. "Tudo isto que está em fila, até à ponta, era cacau", diz, debaixo de um Sol intenso. "O cacau que a roça trazia era para escoamento, com serviçais que faziam o descarregamento".
Horas antes, Nazaré Ceita está a guiar-nos por uma das mais conhecidas roças de São Tomé, a Roça Agostinho Neto, antiga Rio do Ouro.
Mal o jipe entra pelo terreno adentro sente-se o cheiro a cacau. Os edifícios onde antes se fazia a secagem estão abandonados. A madeira das portas está partida. Crianças percorrem a enorme "avenida" que liga o antigo hospital à casa da administração. Por essa estrada espalham-se casas do tempo colonial em madeira e casas novas, algumas já com telhas e cimento, há gente na rua, estendais imensos de roupa. José, 61 anos, jardineiro que ali viveu toda a vida, faz de guia e explica que é a comissão de moradores que se ocupa da roça, onde vivem milhares de pessoas.
Há 40 anos, quando se deu a independência de São Tomé e Príncipe, seria adoptado um regime socialista, de partido único (o MLSTP, que durou até 1990), e todas as plantações de cacau foram nacionalizadas. Esta também. Depois "cada um tomou pequenas células", explica "Zé", sobre os terrenos.
Os antigos donos das roças deixaram para trás uma produção que chegou a atingir as 12 mil toneladas por ano: hoje não chega às três mil. O país foi em tempos o maior produtor mundial de cacau, diz-nos António Dias, director da CECAB, Cooperativa de Produção e Exportação de Cacau Biológico e ex-ministro da Agricultura.
Ainda hoje o cacau representa cerca de 90% ou mais do valor total das exportações, segundo o economista Adelino Castelo David, ex-ministro, ex-governador do Banco Central. "O valor do cacau exportado foi sempre superior ao de serviços até 1992, período em que a situação começou a inverter-se até o aumento dos serviços, que compreende também viagens e turismo, que vêm crescendo gradualmente." Hoje a grande fatia do emprego no sector agrícola é no cacau.
Aqui na Agostinho Neto ninguém produz cacau, nas dependências como a Caldeira sim. "Como é que vocês deixaram o hospital cair?", pergunta Nazaré Ceita a José, apontando para o edifício que foi ocupado por várias famílias. De perto vê-se bem que este bloco cor-de-rosa, de arquitectura do século XVIII, está completamente abandonado.
Andamos na estrada em direcção à cascata por onde os serviçais não passavam, explica José. O que mudou com o fim do colonialismo, o que mudou nestes 40 anos?, perguntamos a José. "Mudou muita coisa. Liberdade." Liberdade é o que repete.
Na roça mudou muito pouco. "Falta mão-de-obra e construir casas de trabalhadores".
O abandono das roças é algo que são-tomenses como o economista Jorge Coelho, 56 anos, ex-candidato à Presidente da República, criticam. Poderia ter sido feita uma "certa negociação da parte económica da independência", mas as plantações foram abandonadas, "então teve que se fazer uma tomada à força", comenta. "Com a influência do comunismo e com a estatização da economia na altura, toda a produção de cacau ficou na mão do Estado. Mas o Estado tentou gerir a produção de cacau de forma centralizada e foi ineficiente", considera o também professor de História económica que deu aulas em várias universidades americanas.
Nos anos 1990, continua o economista, distribui-se a terra pelos são-tomenses que começaram a trabalhar uma terra que seria parcelada, sob ordens do Fundo Monetário Internacional (FMI) e do Banco Mundial (BM), explica. "Mandaram distribuir as roças pensando que ao distribuir as pessoas iam trabalhar e ficar donos. Esqueceram-se que temos uma população que tem muita dificuldade em assumir-se como dono, é o nosso ponto fraco." O programa estrutural está a ser aplicado "há 20 anos, eles vêm cá e dizem que há mudanças mas nós que somos economistas não vemos mudança nenhuma", comenta. Fonte: Publico.pt