Conheça os países que produzem o melhor chocolate do planeta e o que eles fazem de tão especial.
Quem experimenta uma cerveja artesanal de qualidade superior se arrisca a parecer arrogante depois, quando os amigos insistem com as aguadas opções do boteco. Então prepare-se para virar “o chato do chocolate”. Após conhecer os pralinés belgas, a modernidade dos catalães, o chocolate de autor da França, você achará que esses doces e as barras ao leite mais populares do supermercado nem deveriam ter o mesmo nome. Talvez não devessem mesmo.
A gigantesca praça central de Bruxelas é também um dos pontos turísticos mais lindos do mundo. Principalmente se você tiver a sorte de estar lá durante as ocasiões (a cada dois anos) em que a Grand Place – a praça central que já foi residência de artistas como Vitor Hugo e é Patrimônio Mundial da Humanidade – tem seu chão totalmente recoberto com 750 mil flores, formando imagens de temas variados. Fica parecendo um tapete mágico. Mas a capital da Bélgica tem outras atrações imperdíveis, principalmente para turistas em busca de alta gastronomia. É justamente nessa cidade que ficam os melhores chocolates do mundo. Para se ter uma ideia da dedicação desse país ao chocolate, Bruxelas tem hoje um milhão de habitantes e algo em torno de 500 chocolatiers. Uma média impressionante. De tanta quantidade, a tendência é que viesse muita qualidade. E veio.
Desde que Jean Neuhaus inventou o praliné, há coisa de um século, o resto do mundo sabe que, em matéria de criação de chocolates, os belgas são, quase sempre, medalhas de ouro – embora haja, claro, outros países europeus com uma produção igualmente impressionante e criativa, como a França. Mas sua história sempre foi de uma inventividade que transformou para sempre a noção de chocolates finos no mundo.
A invenção do praliné
No século 17, já havia nobres e artistas degustando a bebida asteca à base de cacau em Bruxelas. Mas foi apenas na segunda metade do século 19 que o chocolate se tornou uma verdadeira paixão na Bélgica. No reinado de Leopoldo 2o, o país colonizou o Congo e estabeleceu uma produção exclusiva e permanente de cacau. Logo, o chocolate se tornou um grande negócio entre os belgas. Mas a evolução mesmo aconteceu quando, em 1857, Jean Neuhaus abriu uma loja de doces na capital – era aprimeira especializada em doces da cidade. A população vinha curiosa por suas barras de chocolate amargo. E 60 anos depois, já no século 20, o neto de Neuhaus lançou uma das grandes criações do chocolate de todos os tempos: o praliné. O mundo nunca tinha visto conchas de chocolate preenchidas com um recheio suave e aveludado. Foi um caso de amor instantâneo.
Mas, antes de retornarmos ao mundo contemporâneo, uma explicação: praliné, em alguns países, é outro tipo de doce, um caramelo com amêndoas.
Chocolate como deve ser
O segredo da qualidade do chocolate belga é que: não há segredo. Eles fazem o que todo mundo deveria fazer. Têm um cuidado e uma proximidade exemplar com seus fornecedores, acompanham o processo de torra e, muito importante, consideram vergonha adicionar gorduras vegetais às receitas tradicionais de seus chocolates. Quando você come um chocolate amargo belga, sabe que a maior parte da composição é de puro cacau… e a mão do artista.
Em Bruxelas, os viajantes menos interessados na gastronomia ficam com as lojas da Grand Place mesmo – onde, aliás, já tem muita coisa boa. Mas os conhecedores, compradores sérios, hoje vão para a Place du Grand Sablon – outro lugar que valeria a visita mesmo que não houvesse nenhum chocolate por lá. O quarteirão tem casas dos séculos 16 e 19, e, dentro delas, uma variedade de produtores, onde a tradição está sempre em harmonia com a vanguarda.
Não dá para se falar em chocolate belga sem citar três grandes marcas tradicionais: Leonidas, Godiva e Neuhaus. Elas são as que mais atraem turistas, não sem motivo. Mesmo para o consumidor mais curioso, que tem algum conhecimento de chocolate, continuam sendo uma referênciade alto padrão. Mas são empresas que fazem produção em massa.
Quem mora em Bruxelas já vai atrás de produtores mais ousados – e gosta de dizer que há chocolates para turistas e chocolates para os locais. Dois dos maiores exemplos dessa vanguarda, curiosamente, se tornaram rivais.
Marcolini x Wittamer
Provavelmente não há outro espaço no mundo em que, numa distância de poucos metros, estejam dois chocolatiers considerados entre os melhores do planeta. Eles são Paul Wittamer e Pierre Marcolini. Ambos instalados na Place du Grand Sablon.
Apesar de mais antiga, foi nos anos 1980 que La Maison Wittamer assimilou as técnicas da Nouvelle Cuisine para lançar chocolates inovadores e abrir caminho para uma nova geração de chocolateiros. A casa foi, por exemplo, a primeira a usar chocolates com o uso de cores – principalmente um rosa brilhante, que se tornaria símbolo da marca.
Já Marcolini é, talvez, o Messi da chocolataria mundial. Desde que ganhou o Campeonato Mundial de Doces, em 1995, no mesmo ano em que abriu sua primeira loja em Bruxelas, o chocolatier decolou para o mundo e, em apenas uma década, já tinha estabelecimentos em Paris, Londres, Nova York e até no Japão. Assim como acontece na produção de vinho, Marcolini tem barras Grand Cru, um aval de que se trata de chocolate superior. Ele ainda faz questão de avisar que esses chocolates são produzidos em um mesmo local. E que vai pessoalmente conferir o trabalho dos agricultores.
Foi o pioneiro, em Bruxelas, a trabalhar em contato direto com plantações em países como Venezuela e Madagascar. Também já se gabou de ser o primeiro a trabalhar com o produto de cacaueiros cubanos. Para ele, a origem, e a proximidade do chocolatier com as plantações, importa muito. É esse cuidado que, no fim, diferencia o chocolate superior. Mas Wittamer desdenha de certos exageros. Já declarou que é completamente desnecessário produzir a própria semente, já que há excelente matéria-prima à disposição no mercado. Os chocolates de Marcolini vêm em finas caixas de marrom escuro e fazem belos presentes luxuosos. Alguns conhecedores o apontam como o grande artista do chocolate da cidade hoje, por conta de seus sabores e aromas mais sutis – que talvez não agradassem a muita gente sem o mesmo apuro no paladar. Os mais tradicionais, entretanto, ainda preferem Wittamer – que, curiosamente, tem um esquema mais artesanal que o do rival.
La Maison Wittamer produz cerca de 50 toneladas de chocolate por ano, em um pequeno espaço atrás da loja. Mais exclusivo, impossível. Marcolini produz 300 toneladas no mesmo período. E, para se ter uma comparação entre quem são os pequenos charmosos e quem é gigante na cidade do melhor chocolate do mundo, fique com os números da Godiva: 3 mil toneladas anuais.
Daí o consumidor comum ir direto às três grandes, enquanto os devotos do chocolate de autor preferem flanar pelas casinhas charmosas da Place du Grand Sablon. Fonte: Super Interessante