Parceria de peso para levar cacau ao Cerrado

Cargill e grupo Schmidt abrem fronteira para a amêndoa

Após anos de denúncias de casos de trabalho infantil e forçado e de desmatamento no cultivo do cacau, as agroindústrias estão começando a mudar a forma como se relacionam com suas cadeias de fornecimento. Para começar a ter mais controle sobre a originação da amêndoa, a americana Cargill, maior companhia de agronegócios do mundo, decidiu dar um passo inédito no Brasil e fechou uma parceria com o grupo Schmidt, uma das maiores empresa agrícolas do país, para levar o cultivo do cacau ao Cerrado e assegurar fornecimento direto da principal matéria-prima do chocolate.

As empresas firmaram uma Sociedade em Conta de Participação (espécie de joint venture sem registro oficial), na qual cada uma delas comprometeu-se a investir R$ 5 milhões nos próximos cinco anos para plantar árvores de cacau em uma fazenda em Riachão das Neves, no Matopiba (confluência entre Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia) – mais especificamente, no oeste baiano.

São, portanto, duas inovações em uma só tacada: cultivar cacau fora da Amazônia e da Mata Atlântica, biomas que hoje concentram a produção da fruta no Brasil, e estabelecer uma relação direta de compra com um grande produtor. Atualmente, a cadeia brasileira de cacau é composta de milhares de pequenos e médios agricultores cuja produção passa por vários intermediários até chegar à indústria.

Segundo Laerte Moraes, diretor-geral de Cacau & Chocolate e Amidos e Adoçantes da Cargill na América do Sul, a parceria é um teste para um novo modelo de negócios de cacau. “É um modelo de uma agricultura com visão mais tecnificada, de alto rendimento, para desenvolver tecnologias de produção em escala”, diz.

Plantio já começou

Ao longo de cinco anos, serão plantadas árvores em 400 hectares. Os primeiros plantios já começaram, e a perspectiva é que a colheita de estreia ocorra em até dois anos – um ciclo bem mais curto de maturação do que na Amazônia e na Mata Atlântica, onde as árvores só começam a dar frutos depois de cinco anos do plantio.

O diferencial do cultivo em Riachão das Neves é o manejo mais tecnificado. As lavouras serão plantadas sem sombreamento de outras árvores, recebendo insolação diretamente, e deverão usar irrigação com águas da bacia do São Francisco. “É uma região em que é possível ter mais controle sobre o processo produtivo e se consegue uma padronização muito grande”, disse Moraes. Além disso, o grupo Schmidt também deve utilizar mais fertilizantes e agroquímicos.

Como resultado, a Cargill aposta que as lavouras alcançarão uma produtividade de fazer inveja aos cacauicultores da Bahia e do Pará. Moraes espera que as primeiras colheitas já tenham um rendimento de 1,5 mil quilos por hectare, o que nem as lavouras paraenses, as mais produtivas do país, alcançam. E, em cinco anos, ele acredita que a produtividade pode chegar a algo entre 4 mil e 5 mil quilos por hectare. Na Bahia, Estado mais tradicional no cultivo, a produtividade é de cerca de 250 quilos por hectare.

Pelo acordo, a Cargill garante pagar preços de mercado por todo o volume colhido pelo grupo Schmidt. Como a parceria é dividida com o grupo agrícola, metade dos recursos ficam com a múlti americana. Mas, segundo Moraes, o plano da Cargill é reinvestir todo o dinheiro para fomentar a produção.

“Onda de cacau”

Já há alguns produtores cultivando cacau no Cerrado, mas são casos pontuais e sem a escala que o projeto com o grupo Schmidt quer garantir. O plano da Cargill, agora, é que a parceria motive outros agricultores da região a “entrar na onda” do cacau. Com a parceria, foi criada também uma empresa de produção de mudas, que poderá começar a fornecê-las a outros fazendeiros da região. Moraes defende que é importante avançar com cautela para testar diferentes combinações de genética, manejo e fertilização para implantação nos diferentes ambientes do Cerrado.

Com essa estratégia, a Cargill procura garantir tanto um controle maior do cacau – algo cada vez mais relevante para os mercados consumidores internacionais, que buscam garantir a sustentabilidade do produto desde a origem – quanto também da seleção da qualidade das amêndoas. “Posso pensar em segregar as variedades na nossa fábrica”, diz Moraes. A inspiração direta é o mercado de café, no qual as indústrias têm linhas diferentes para tipos específicos do grão.

O modelo de negócio que está começando a ser testado com o grupo Schmidt, de agricultura de grande escala, não é a única forma de organização da cadeia do cacau que a Cargill experimenta no Brasil e no mundo. Mas, com as novas exigências dos mercados, essa é uma tendência, acredita Moraes.

“O produtor [de cacau] vai ter que se reorganizar. Se ele não tem escala, vai ter que formar cooperativa, que gera conhecimento, tecnologia e escala. Não enxergo o pequeno produtor, daqui dez anos, com o perfil atual”, diz. Nesse processo, muitos pequenos produtores poderão ficar para trás. Moraes lembra, ainda, que muitos clientes industriais do cacau da Cargill têm metas ESG para cumprir. “Mudou o grau de urgência”.

Fonte: VALOR

Por Camila Souza Ramos 

 

 

Curtiu esse post? Compartilhe com os amigos!

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *