Reparos ou mudanças no Sistema de Cultivo do Cacau, na região sudeste da Bahia

Novembro / 2020

Por:  Ivan Sousa, Rosenilton Klecius e Lindolfo Pereira 

Antes de concatenar elementos que sustentam a resposta para esta questão entende-se neste documento que sistema de cultivo “refere-se às práticas comuns de manejo associadas a uma determinada espécie vegetal, visando sua produção a partir da combinação lógica e ordenada de um conjunto de atividades e operações” (Hirakuri et al., 2012).

Sendo assim, seguem-se os argumentos, em duas partes, sendo que a primeira será didaticamente encadeada:

  1. A partir de 1950 a região Sudeste da Bahia com um setor agrícola produtivo pouco diversificado se tornou dependente do negócio cacau.
  2. Com a ocorrência simultânea de vários eventos desfavoráveis ao negócio, e em especial a queda do preço do cacau no final dos anos 1990, essa dependência reduziu a riqueza líquida da região como um todo e aumentou a incerteza desse negócio de forma desproporcional.
  3. A partir de 1990 o novo nível de preço estabelecido coincidiu com a introdução do fungo Moniliophthora (ex Crinipellis) perniciosa, agente causal da vassoura de bruxa do cacaueiro (VB), potencializando ainda mais o nível de incerteza do negócio.
  4. Estrategicamente, na solução do problema, a primazia foi dada as ações nas áreas da fitopatologia e do melhoramento genético.
  5. Nota-se que no período de 1987/88 – 1995/96 ocorreu a entrada e a difusão da doença. De 1996/97 a 2006/07 a doença se estabeleceu em toda a área plantada. Como consequência imediata durante esses longos 20 anos tornaram-se sem efeito as combinações lógicas e ordenadas de um conjunto de atividades e operações.
  6. Até aquele segundo período o sistema de cultivo foi danificado, se tornou impotente.
  7. Também se tornou ineficaz quase todo o conhecimento existente de manejo. Consequentemente as ações de Extensão Rural e Assistência Técnica (Ater) se limitaram a medidas secundárias (diagnóstico da presença e mutirões de retirada da vassoura).
  8. Para corrigir essas limitações e até mesmo viabilizar um novo sistema de cultivo era imperativo (necessário, estratégico e racional) respeitar os aspectos temporais da epidemiologia da doença, esperar ocorrer a última fase de disseminação da VB, a fase da estabilização ou desenvolvimento abaixo de um nível aceitável.
  9. Sem a possibilidade de uma Ater eficaz, ao longo dessa espera, o preço e as práticas comuns de manejo passaram a definir e sustentar o baixo nível de eficácia do negócio (uso constante da tecnologia T0 – roçagem, limpeza e colheita e do sistema de parceria e meação para redução de custo).
  10. A partir de 2007, após 17 anos, iniciou-se o período da convivência tolerada com a doença. Daquele momento em diante foram disponibilizados novos procedimentos profiláticos (controle genético, controle cultural, controle químico, controle biológico e controle bioquímico) e novas variedades de cacau mais produtivos e tolerantes a VB.
  11. Cria-se assim, a partir daquela data, a oportunidade de desenvolver atividades e operações que utilizassem dessas novas tecnologias e do nível de preço do cacau imposto. Isto é, surge a possibilidade de formatação de um novo sistema de cultivo, com práticas que correspondesse diretamente às prioridades imediatas: praticidade, eficácia, acessibilidade e universalidade.
  12. Enfim, que conciliasse as plantas novas com as velhas e que atendesse as características ambientais singulares da região.

Na segunda parte observa-se que é fato que o patamar atual da produção do cacau na Bahia, serve de alerta a comunidade cacaueira baiana e aos governos quanto aos riscos existentes na atividade e quanto ao enorme passivo financeiro que um manejo inadequado do cultivo representa, não apenas para as empresas diretamente envolvidas, mas para toda a sociedade.

Com o surgimento da VB, a partir dos anos de 1990, os agricultores não mais sabiam os resultados possíveis das suas decisões. E, além de que pelas observações de campo de técnicos especializados, a eficiência produtiva do cultivo não respondia adequadamente ao manejo utilizado. De outra forma pode-se afirmar que as tecnologias recomendadas e o preço pago ao produtor sustentavam o nível de incerteza da atividade.

Assim, a região se deparou com um novo problema que se tornou recorrente a partir daqueles anos de 1990: a repetitiva opção do cacauicultor pelo uso da tecnologia de baixos insumos (T0). Ou seja, a ausência de um sistema de cultivo eficaz.

A partir de 2007, com novas tecnologias disponíveis e a conivência tolerada com a VB, elaborou-se ação de Assistência Técnica e Extensão Rural- ATER denominada PROJETO 500, que consiste na divisão da área em pequenos módulos, uso da estratégia de produção assertiva ao invés da estimada, adubação modular, polinização artificial e complementar, compra e venda em comum, substituição gradual de cacaueiros velhos, o fruto ao invés da roça como a unidade de produção (Fluxograma 1).

Especificamente, o Projeto se utiliza de um processo autossustentável, com baixa dependência de crédito externo e de modelo de gestão não rígida da unidade produtiva (rígida implica na renda fixa gerada pela tecnologia T0), baseada na combinação das “n” tecnologias agora disponíveis e custos ajustáveis à capacidade e necessidades gerenciáveis.

De modo geral essa ação de Extensão se define como um Programa interinstitucional e interorganizacional capaz de combinar variadas ações e procedimentos. Caracteriza-se por diferir das Ações anteriores, pois envolvem conhecimentos agronômicos aprimorados e consolidados e tecnologias modernas (práticas baseadas na combinação de tecnologias existentes e custos gerenciáveis – controláveis).

Em suma a produtividade, com base no preço interno é a variável determinante dos custos gerenciáveis. O agricultor ao usar a tecnologia associa a margem de resposta positiva da tecnologia com os preços vigentes. Por exemplo, ao invés de aplicar indistintamente a tecnologia T0, terá a opção de selecionar áreas específicas para as várias produtividades desejadas, com base nos custos gerenciáveis.

O projeto adota uma estratégia de dentro para fora. Uma perspectiva de crescimento da produção e da produtividade que nasce de uma pequena área (de 1 a 10 hectares) de dentro da fazenda, com melhores condições de solo, densidade, variedade, e, em seguida, se desdobra de forma escalonada para toda a fazenda. Utilizando-se assim de um processo autossustentável, com baixa dependência de um agente de crédito agrícola.

Tem por fundamentos seis linhas de ação: Mudança no Manejo, Abrangência Universal, Fertilização, Fitotecnia, Economia Rural e Pesquisa Experimental.

Assume por princípio que o manejo do cultivo caracteriza-se pela contínua, racional e equilibrada realização de práticas que propiciam o máximo rendimento produtivo da lavoura, em todos os segmentos ou extratos produtivos (pequeno, médio e grande), definindo assim a sua Universalidade.

As práticas agrícolas recomendadas serão as definidas por Zugaib et al. (2020). De acordo com esses autores as tecnologias são estabelecidas através de combinação dessas práticas, sendo que quanto menor o índice da tecnologia menor o nível esperado de produtividade da mesma.

Na linha Fertilização objetiva disponibilizar “n” módulos de nutrição do solo com ênfase no pleno potencial produtivo das diversas variedades dos genótipos existentes na região cacaueira da Bahia. Cada módulo corresponde a uma produtividade na faixa de 80 a 500 arrobas/hectare.

Na linha da Fitotecnia busca-se eficácia produtiva no uso de nutrientes e aumento de pegamento e frutificação, através de novas estratégias na execução das práticas agrícolas (polinização manual e mecânica, substituição da desbrota para a prática despiolha, uso da poda sequencial e mecânica, roçagem química e mecânica, redução da altura da planta, colheita com uso da tesoura). A polinização, que define a produção assertiva, visa mudar época de produção, escalonar a época de colheita e concentrar a produção para controle das doenças.

Na quarta linha a da Economia Rural objetiva qualificar o uso de mão de obra nas práticas agrícolas. Efetuar compras em comum de insumos; realizar vendas em comum de amêndoas de cacau e subprodutos; criar um aplicativo para facilitar a tomada de decisão quanto à combinação de insumos a ser utilizada, e melhorar a vigilância da qualidade final do produto.

Quanto às linhas da Mudança no Manejo e da Pesquisa Experimental o objetivo será o de intensificar o uso de unidades de produção particulares na validação ou adaptação de tecnologias e fortalecer a dinâmica da difusão de conhecimentos e informações. Quebrar o paradigma acadêmico através da participação ativa e interativa do agricultor, aproximando-o à experimentação científica. Nota-se que a oferta de novas variedades clonais, nesta região, já é um resultado deste enfoque.

Cada fazenda será uma área de difusão da tecnologia e, esta, será construída dentro de uma abordagem científica. Para tal adotar-se-á a metodologia de assistência técnica e extensão rural – ATER Coletiva, integrada e fazendo uso da tecnologia da informação onde são formados grupos de até 20 produtores; um único responsável técnico para cada 10 grupos, totalizando 200 técnicos para realizar assistência a todos os agricultores. A assistência técnica caberá aos agentes públicos e privados, capacitados para adaptação e uso das tecnologias geradas.

Em cada propriedade será elaborado um diagnóstico das condições agroeconômicas; a difusão do conhecimento será feita de forma grupal, através de seminários, cursos e treinamentos para os produtores, administradores e trabalhadores rurais, com e sem o uso de novas tecnologias da informação (sala de reunião, vídeo conferência). Também serão feitas relações intergrupais e reuniões mensais de monitoramento e avaliação das atividades.  As tecnologias de informação e comunicação (TICs) e, especificamente um aplicativo móvel, serão empregado não só para gestão ou planejamento das combinações de tecnologias e custos operacionais, como também para avaliação dos resultados.

Ou seja, se instituiu uma nova concepção de sistema de cultivo do cacau, onde a ênfase passa a ser a afirmação clara e definida do quanto se produzir diante das condições agroeconômicas dadas (preço do cacau, tecnologias disponíveis, condições do tempo).

Enfim, o sistema propõe se sair de uma situação passiva (qual será a produção estimada? onde se planeja, maneja, mas aceita a resposta da planta ao longo do seu ciclo produtivo) para uma ativa (a produção assertiva, que a priori define o quanto produzir de amêndoas de cacau por planta – isto é, planeja, maneja e corrige a produção da planta ao longo do ciclo produtivo).

Figura 1. Fluxograma das etapas que compõe o sistema de cultivo do cacau, complementadas pelas atividades de planejamento, pós-colheita, polinização e correção de manejo (“toda atividade aplicada ao sistema solo-planta, com o intuito de aumentar a produtividade agrícola e evitar possível degradação ambiental”). Em vermelho, práticas ou atividades adicionadas e/ou recomendadas pelo projeto 500.

HIRAKURI, M. H.; DEBIASI, H.; PROCÓPIO, S. de O.; FRANCHINI, J. C.; CASTRO, C.de. 2012. Sistemas de produção: conceitos e definições no contexto 


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