“Revolução” do cacau eleva chocolate brasileiro a padrão internacional

A soma de um rico terroir à eficiência de produtores eleva a qualidade das amêndoas e o chocolate brasileiro alcança padrões internacionais

Paris, Salon du Chocolat, 2011. Agrupados em comitiva no mesmo estande, produtores brasileiros que participam do maior evento do gênero no mundo ouvem de um influente jornalista da agência France Presse, especializado no ramo, impressionado com o que acabara de degustar: “Isso é chocolate tropical premium”, afirma. “Vocês não estariam criando uma nova categoria de chocolates?” Provavelmente sim. Tanto que, naquela edição, dentre as 50 amostras classificadas para o concurso mundial Cacao Awards, dez eram da Bahia – que, no final, acabou ganhando o prêmio de melhor cacau da América Latina.

Há muito de promissor no horizonte do chocolate premium made in Brasil. De anos para cá, mais e mais marcas de origem chegam ao mercado, indo ao encontro do amadurecimento do gosto do consumidor. Essa “revolução” passa forçosamente pelo engrandecimento qualitativo da produção de cacau. Hoje, produtores cacaueiros são verdadeiros guardiões em busca do Graal das sementes de qualidade. Nesse universo, dois fatores sinalizam um “novo tempo”: a (re)descoberta do cacau da Bahia e a nova fronteira representada pelo cacau da Amazônia, mais precisamente, do estado do Pará.

“Durante muito tempo fornecemos cacau para o mundo inteiro como commodity e por um valor muito baixo”, sinaliza o empresário Marco Lessa, criador do Festival Internacional do Chocolate e Cacau, que cresce a cada ano com debates, fóruns, convidados internacionais, rodadas de negócios e, claro, muito chocolate de estirpe. “Com isso, surgiu a descrença de que o Brasil não produziria cacau de qualidade. Mas já não estamos mais nesse estágio. A produção verticalizou-se. Hoje, quem está na base, o produtor de cacau, sabe que pode transformar seu produto em chocolate fino, de origem. E é o que está acontecendo”.

Com sete edições já realizadas em Ilhéus (BA) e três, na Amazônia (Belém/PA), o evento em breve deve ganhar a esperada edição do Sudeste, em São Paulo. Lessa também criou sua grife, a Chor – Chocolates de Origem. “Antigamente, no Brasil, sinônimo de chocolate premium eram os estrangeiros, o belga e o suíço”, lembra. “Agora, o mercado mudou, o consumidor está cada dia mais interessado em chocolate brasileiro com alto percentual de cacau e sem adição de gorduras e outros artifícios”. E completa: “Chocolate amargo não é chocolate com maior teor de cacau, é chocolate com pouco açúcar”.

Esse estágio só foi possível com a qualificação de todo o processo produtivo. Se é verdade que, como vaticinam alguns chocolatiers, “70% de um bom chocolate se faz na fazenda”, a região cacaueira do Sul da Bahia está em sintonia perfeita, escaldada por um passado recente de agruras – na década de 90, quando o Brasil era o segundo maior produtor mundial de cacau, a doença chamada vassoura-de-bruxa, hoje controlada, assolou a região de maneira violentíssima.

Disciplinados pelo (ótimo) trabalho da CEPLAC (Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira, órgão federal), hoje os cacauicultores da região dão atenção especial a toda a cadeia produtiva – do cultivo à seleção das amêndoas perfeitas, passando pela secagem e torrefação (que reduz a acidez), pelo timing exato de fermentação (que faz a amêndoa ganhar complexidade) etc.

Nesse cenário, destaca-se o professor e pesquisador baiano Raimundo Mororó – foi ele quem estabeleceu as bases do trabalho hoje feito no estado. Pioneiro na fabricação de tabletes de origem, é sócio da Mendoá Chocolates, única marca que consegue abraçar todas as etapas – do cultivo à embalagem – no mesmo local, a Fazenda Riachuelo, em Ilhéus. “Obtido um padrão de qualidade uniforme, os sinais agora são os mais positivos possíveis”, sentencia. “Logo alcançaremos padrões ainda mais altos e o chocolate gourmet brasileiro terá aceitação ainda maior no mercado internacional”. Faz sentido: França, EUA, Bélgica, Japão e partes do Oriente Médio são apenas alguns dos países que hoje se abastecem regularmente de amêndoas brasileiras.

Trinitário, criolo, forasteiro. Dentre as mais de 25 com comunidades extrativistas ribeirinhas, como acontece na região de Medicilândia – são elas que fornecem as amêndoas para as fábricas. Hoje, a produção do estado já exibe dígitos significativos – a cada edição do Festival Internacional do Cacau e Chocolate em Belém, novas marcas surgem, com tabletes de muita qualidade.

Os sinais são inequívocos. Com a reeducação do paladar do consumidor e a aceitação de chocolates premium na ascendente, a formação (e a afirmação) de um terroir cacaueiro verde-amarelo encontra(m) eco numa safra de chefs e chocolatiers, que tem funcionado como multiplicadores de um mercado em formação – vide Alex Atala, Rafael Barros e muitos, muitos outros.

Com a palavra a chef Julia Pimenta, da grife doceira Sweet Pimenta: “Até recentemente, o cacau e o chocolate brasileiros não eram muito valorizados. Agora, no momento em que marcas importantes, como Callebaut e Puratos, criam versões nacionais com o cacau brasileiro, temos de valorizar o nosso produto”. Fonte: Revista Gosto

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