Ela foi uma das estrelas do 4º Festival Internacional do Cacau e Chocolate, encerrado no último domingo de setembro, em Belém. A paraense Izete dos Santos Costa, ou simplesmente dona Nena, mora em uma ilha às margens do rio Guamá desde que nasceu, colhe frutos na floresta de casa e produz artesanalmente desde 2006 bombons, brigadeiros, chocolate em barra e chocolate em pó. É dona da marca Filha do Combu, que leva o nome da ilha localizada a 15 minutos de barco da capital Belém.
Além do pioneirismo de passar a produzir chocolates orgânicos de alta qualidade na ilha que entraram para os cardápios dos premiados restaurantes Remanso do Bosque (Belém) e D.O.M (São Paulo), respectivamente, dos chefs Thiago Castanho e Alex Atala, e para o portifólio do Empório paulistano Poitara, dona Nena foi buscar capacitação, financiamento do Banco da Amazônia e assistência técnica da Emater para deixar de ser apenas uma extrativista e cuidar do plantio e manejo do cacau em sua propriedade de 14 hectares na ilha, que tem aproximadamente 1.200 pés de cacau. “É preciso um manejo especial porque a ilha é invadida pela água do rio Guamá de janeiro a abril, em intervalos de 12 horas. As arvores crescem tortas, procurando a luz do sol na floresta”, diz.
Por mês, a marca produz de 30 a 50 kg de chocolate. Dona Nena diz que pretende aumentar o volume com a compra de mais equipamentos e a construção de áreas para secagem, fermentação da amêndoa e armazenamento dos chocolates, mas mantendo sempre a produção de forma artesanal, orgânica e familiar.
A amêndoa colhida na propriedade ou comprada de parentes e vizinhos fica de 5 a 7 dias em uma caixa para fermentar, vai para secagem em um terreiro com teto retrátil, é torrada no forno da cozinha, descascada e moída em uma máquina caseira daquelas de moer carne – no início do processo, dona Nena usava um pilão para triturar a amêndoa e chegou a quebrar vários liquidificadores. A pasta vira, então, a barra de chocolate 100% que é embalada artisticamente em folhas de cacau, vendida para restaurantes e usada na produção dos bombons e brigadeiros. A microempresária também utiliza cupuaçu em parte de suas receitas.
Após a fama, dona Nena passou a agregar ainda mais renda a sua microempresa com a implantação de um pacote de visitação em sua propriedade no Combu. Os visitantes, em grupos de cinco a 14 pessoas, pagam R$ 65 por pessoa e têm direito a um café da manhã com muito chocolate e frutos típicos da ilha, uma caminhada pela floresta de cacaueiros, pés de açaí e cupuaçu e uma demonstração passo a passo da própria Nena do processo de fabricação do chocolate em barra.
De quebra, os visitantes podem tirar fotos aos pés da samaúma, conhecida como “árvore da vida” ou “escada do céu”, de quase 30 metros e cerca de 400 anos, que domina a paisagem. Ao final da visita, são convidados a comprar os produtos da marca expostos em uma banquinha no quintal. Alunos dos ensinos fundamental e médio e de universidades, além de muitos estrangeiros, também visitam a propriedade. Agências de turismo, empresas de barcos e a própria Secretaria de Turismo sugerem o passeio à ilha, com parada obrigatória na Filha do Combu. Os passeios podem ser agendados pelo email combuorgânico@gmail.com.
Origem
O cacau é a segunda fonte de renda da ilha, perdendo apenas para o extrativismo do açaí. Cerca de 2.000 pessoas vivem em Combu com autorização da Marinha, proprietária da ilha, explorando a pesca, o açaí, cacau, cupuaçu e, mais recentemente, o turismo.
A família de Nena sempre sobreviveu da venda dos frutos naturais da terra mas, em 2006, ela resolveu ir além e entrou para o time de empreendedores. Depois de expor biojoias e produtos da ilha na Feira do Meio Ambiente junto com vizinhos, ela decidiu colocar no mercado uma receita de família, produzindo no quintal uma barra de chocolate 100% enrolada em folha de cacau. “Na feira, vi que havia espaço para crescer. Mudei meu foco para o cacau e passei a produzir artesanalmente bombons, brigadeiro e chocolate em barras ou em pó, tudo orgânico.”
No negócio, a viúva envolveu as duas filhas e toda a família que mora no Combu. Chegou a ter parceiras na marca que nasceu com o nome Filhas do Combu, mas depois perdeu o “s”. “As mulheres foram saindo, se dispersando. Aqui existe uma cultura de querer receber de imediato. Com a empresa não é assim, precisa investir e planejar. Muitos preferem vender açaí in natura em Belém por causa do preço elevado e o pagamento na hora. Eu não. Quero produzir mais, agregar valor a minha produção e mostrar que não é preciso sacrificar a floresta para ganhar dinheiro.”
* A jornalista viajou a convite da organização do 4º Festival Internacional do Cacau e Chocolate. Fonte: Revista Globo Rural