Com o prazo para a implementação do Regulamento Europeu de Produtos Livres de Desmatamento (EUDR) se aproximando — marcado para 30 de dezembro de 2024, no caso do cacau —, marcas e países em todo o mundo estão intensificando seus esforços para rastrear produtos agrícolas, especialmente o cacau. A rastreabilidade é uma ferramenta essencial para garantir a conformidade com as novas regras do EUDR, que visam proteger as florestas e promover práticas agrícolas sustentáveis.
A Iniciativa Cacau e Florestas (CFI) e Seus Avanços
Um dos principais programas globais voltados para o combate ao desmatamento é a Iniciativa Cacau e Florestas (CFI), lançada em 2017 durante a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP23). Presidido pelos governos da Costa do Marfim, Gana e Colômbia, e apoiado por grandes marcas como Mars Wrigley, Hershey e Nestlé, o CFI visa garantir a produção de cacau sustentável e rastreável. A rastreabilidade é um dos principais pilares para o cumprimento dos requisitos do EUDR, que exigem que o cacau comercializado na União Europeia não contribua para o desmatamento.
De acordo com Charles Snoeck, gerente sênior da IDH, organização social que facilita a CFI, “há claramente um movimento em direção ao cacau totalmente rastreável”. Esse progresso é fundamental, dado o número massivo de produtores de cacau — estimado entre cinco e seis milhões — e o número de pessoas que dependem dessa indústria para sobreviver, cerca de 40 a 50 milhões.
Desafios da Rastreabilidade Completa na Cadeia de Suprimentos
No entanto, a implementação da rastreabilidade enfrenta obstáculos significativos. Levar o cacau da fazenda até as prateleiras dos supermercados envolve uma cadeia de suprimentos complexa, composta por vários intermediários. Além disso, existem preocupações sobre o impacto do EUDR nos agricultores, especialmente aqueles que operam em cadeias de fornecimento indiretas, onde a rastreabilidade é mais difícil de ser garantida.
Embora grandes avanços tenham sido feitos nas cadeias diretas — cerca de 72% do cacau dessas cadeias eram rastreáveis em 2022, com mais de 339.928 fazendas mapeadas — as cadeias de fornecimento indiretas ainda enfrentam grandes desafios. Apenas 9% do cacau em cadeias indiretas era rastreável até a fazenda em 2022, aumentando ligeiramente para 22% em 2023. Isso representa uma vulnerabilidade significativa, pois essas cadeias indiretas podem ser responsáveis por abusos ambientais e de direitos humanos, como o desmatamento e o trabalho infantil.
Iniciativas de Rastreabilidade em Diversos Países
O EUDR não é a única iniciativa global voltada para a rastreabilidade. Na África Ocidental e Central, por exemplo, Camarões assinou um acordo semelhante ao CFI em 2021, comprometendo-se a garantir a rastreabilidade total do cacau até o final de 2025. No Peru, mais de dois milhões de agricultores foram registrados com pontos de GPS em suas fazendas para monitorar suas atividades e coletar dados de produção. Na Indonésia, a plataforma SatuData está integrando informações sobre o uso da terra e rastreabilidade de óleo de palma, servindo como modelo para o cacau.
Custos e Impactos Sobre os Agricultores
No entanto, a implementação de sistemas de rastreabilidade robustos tem um custo elevado, tanto para as empresas quanto para os agricultores. Esses sistemas exigem investimentos em tecnologia, como o mapeamento digital das fazendas, além de criar uma carga adicional de relatórios para os produtores. Também há questões de propriedade e compartilhamento de dados que ainda não foram resolvidas, o que dificulta a coordenação entre governos, empresas e ONGs.
Snoeck destaca que a rastreabilidade “precisa servir a um propósito: construir cadeias de fornecimento de cacau verdadeiramente sustentáveis que garantam que as florestas sejam protegidas e os agricultores ganhem uma vida decente”. Sem um apoio adequado aos pequenos agricultores, o impacto das novas legislações pode ser prejudicial, em vez de benéfico.
O Caminho à Frente: Preparação para o EUDR
Com o EUDR prestes a entrar em vigor, países como a Costa do Marfim e Gana estão desenvolvendo sistemas nacionais de rastreabilidade para garantir a conformidade com as novas regras. Esses sistemas incluem IDs de agricultores e o mapeamento digital de parcelas, que visam monitorar a produção de cacau e evitar o desmatamento.
Com uma combinação de esforços públicos e privados, o setor global de cacau está se preparando para enfrentar os desafios da rastreabilidade e garantir que a produção de cacau seja cada vez mais transparente e sustentável. No entanto, o sucesso dessas iniciativas dependerá da capacidade de superar os desafios logísticos e de garantir que os agricultores tenham o suporte necessário para se adaptar às novas exigências.