A Cabruca e a Construção Cultural do Sul da Bahia: Vida que floresce na Mata

Por: Thiago Fernandes e Prof. Dr. Henrique Campos de Oliveira

A Páscoa é um momento de renovação e reflexão, e teria melhor ocasião para falarmos sobre a riqueza cultural e ambiental que a Cabruca representa para o Sul da Bahia? Este sistema agroflorestal, que combina o cultivo do cacau com a preservação da Mata Atlântica, é uma expressão viva da união de diferentes grupos étnicos que moldaram a identidade da região. Indígenas, negros e sergipanos colaboraram na construção dessa prática sustentável, que não apenas transforma a paisagem, mas também edifica uma comunidade resiliente e culturalmente rica.

Historicamente, a região do Sul da Bahia foi marcada pelo mandonismo e coronelismo, temas recorrentes nas obras de Jorge Amado, como “Tocaia Grande”, “Terras do Sem Fim”, “São Jorge dos Ilhéus” e “Gabriela”. Essas narrativas retratam um passado onde o poder estava concentrado nas mãos de poucos. Hoje, no entanto, as mulheres estão invertendo essa lógica, assumindo o comando de fazendas, roças de cacau e assentamentos, trazendo uma nova perspectiva de liderança e transformação social. As roças de cacau, frequentemente cultivadas em assentamentos, são fundamentais para a dinâmica econômica e social da região. Essas áreas são espaços de resistência e de cultivo sustentável, onde pequenos produtores e suas famílias trabalham em harmonia com a natureza, preservando a biodiversidade local e garantindo a produção de cacau de qualidade. A conexão com a terra e a tradição familiar são aspectos que fortalecem a identidade cultural da região e promovem um modo de vida que respeita o meio ambiente.

Além disso, o turismo se apresenta como uma alternativa viável e promissora para o desenvolvimento econômico do Sul da Bahia. A valorização do patrimônio cultural e natural, associada à produção de chocolate de qualidade, atrai visitantes que desejam conhecer as práticas sustentáveis, as roças de cacau e a rica história da Cabruca. O turismo não apenas gera renda para as comunidades locais, mas também desempenha um papel crucial na preservação da sociobiodiversidade. Ao promover experiências autênticas e imersivas, os turistas são convidados a entender a importância da Mata Atlântica e do cacau, fortalecendo a consciência ambiental e o compromisso com a conservação.

Essa transformação não teria sido possível sem o apoio de instituições essenciais, como a Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), a Ceplac, os Institutos Federais de Educação, o CIC, o Sebrae e a Aiex Unifacs. Essas entidades têm sido fundamentais na capacitação de produtores, na pesquisa e na promoção de práticas sustentáveis, contribuindo para que a região se torne um modelo de desenvolvimento. É crucial reconhecer e valorizar o trabalho dessas pessoas e instituições, que investem tempo e esforço na valorização do cacau e na construção de uma economia local sólida.

Entretanto, é importante ressaltar que o cenário atual do mercado de cacau apresenta desafios significativos. Os maiores produtores mundiais, Gana e Costa do Marfim, que juntos representam quase 60% da produção global, estão enfrentando dificuldades que impactam diretamente os preços. Isso significa que o cacau, especialmente o fino e de qualidade, teve um aumento significativo, elevando os custos de produção. Esse cenário se torna ainda mais relevante para o movimento de chocolate Tree to Bar e Bean to Bar, que utiliza a manteiga de cacau como a única gordura possível em seu chocolate artesanal. Essa prática enfrenta uma concorrência acirrada com a grande indústria, que frequentemente recorre a outras gorduras, comprometendo a qualidade do produto.

Neste momento de celebração da Páscoa, vamos refletir sobre o significado do chocolate que consumimos. Que ele represente não apenas um deleite, mas também a história de luta e união dos povos que ajudaram a cabrocar a mata, a força das mulheres que estão à frente do processo produtivo e o compromisso com um futuro que respeita o meio ambiente e a diversidade cultural.

A Cabruca é mais do que um sistema de cultivo; é uma proposta de vida que busca a harmonia entre o ser humano e a natureza. Que possamos, portanto, valorizar e apoiar essa iniciativa, reconhecendo que cada pedaço de chocolate é um símbolo de um legado que merece ser preservado e celebrado. Neste feriado, ao saborear um chocolate, pense no que ele representa: uma história rica, uma comunidade vibrante e um futuro sustentável para o Sul da Bahia.

 

Thiago Fernandes – Diretor do Consórcio Cabruca de Chocolates Finos do Sul da Bahia

Prof. Dr. Henrique Campos de Oliveira – Coordenador da Aiex-Unifacs (Agência de Incubação para o Exterior da Universidade Salvador).

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