Com a riqueza natural da Amazônia, empenho dos fazendeiros, investimentos em pesquisas e estímulos do governo, o Pará se torna o maior e mais eficiente produtor de cacau do Brasil, com 130 mil toneladas de amêndoas em 2019. E alcançaa maior produtividade do mundo
Ah, a Bahia! A Bahia de Gilberto Gil, do Carnaval, do Elevador Lacerda, das praias de Iacaré, do acarajé, do cacau. Pera lá! É fato que o estado de Caetano Veloso é famoso por ser a terra do cacau, tão presente na obra do também baiano Jorge Amado. E por décadas a Bahia foi líder nacional na produção da fruta. Não é mais. Agora, quem ocupa o topo desse ranking é o Pará. Nada mais natural, já que o cacau é um fruto típico da Amazônia, região na qual o estado está localizado. No ano passado, o Pará produziu 130 mil toneladas da fruta – metade de todo o cacau colhido no Brasil – e faturou pouco mais de R$ 1,2 bilhão. É verdade que os paraenses sempre apresentaram excelente desempenho no cultivo da fruta. Mas nunca haviam conseguido superar os baianos no volume de toneladas produzidas. E a vantagem da Bahia era larga, entre 40% e 50%, como ocorreu em 2015 (158 mil toneladas contra 106 mil do Pará) e em 2016 (foram 116 mil toneladas da Bahia e 86 mil dos paraenses). O primeiro ano em que o Pará bateu a Bahia na produção de cacau foi 2017, quando o placar dessa disputa mostrou uma leve supremacia de 10% a favor dos paraenses: 116 mil toneladas contra 106 mil.
Esse resultado, no entanto, não representava a realidade, já que naquele ano o território baiano sofreu uma grande seca, causando um baque em toda a produção agrícola do estado. Tanto é que, no ano seguinte, a Bahia voltou ao topo, com 114 mil toneladas, enquanto os paraenses retornaram à vice-liderança (110 mil toneladas). O Pará só superou, para valer, a Bahia no ano passado, quando produziu 130 mil toneladas, contra 105 mil dos baianos, uma vantagem de quase 25%. Para este ano, as estimativas indicam que os paraenses não apenas continuarão na liderança, como abrirão folga ainda maior sobre os baianos. Segundo o IBGE, 2020 deve terminar com o Pará tendo produzido 142 mil toneladas de cacau, quase 35% acima das 106 mil toneladas da Bahia, que continuará na segunda colocação. “Tudo isso é resultado de um trabalho que começou há 40 anos”, destaca o engenheiro agrônomo Fernando Mendes.
Mendes é o coordenador da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), órgão ligado ao Ministério da Agricultura, no Pará e no Amazonas. Aos 64 anos, dos quais 40 dedicados ao estudo do cacau, ele é considerado um dos maiores especialistas do mundo no assunto. Não é exagero. O engenheiro agrônomo já visitou cerca de vinte países produtores da fruta, nos mais diversos cantos do planeta, como Camarões, Colômbia, Costa do Marfim, Equador, Gana, Indonésia, Malásia, Vietnã e Singapura. “Com muito estudo, pesquisa, investimento e dedicação dos produtores, estamos alcançando nossos objetivos.” Uma dessas metas já conquistadas diz respeito à produtividade das fazendas de cacau do Pará. Ano após ano, os números são superados.
LÍDER MUNDIAL
Em 2016,o estado era o segundo no ranking da produtividade, que aponta a quantidade de quilos da fruta retirados por hectare. Naquele ano, o Pará obteve 660 quilos de cacau por hectare, ficando atrás apenas do Mato Grosso, com 710 kg por hectare. Em 2017, assumiu a liderança – foram 880 kg por hectare, contra 660 kg/ha do Mato Grosso – e segue no topo até hoje, aumentando a distância em relação aos demais estados do País. No ano passado, os produtores paraenses extraíram, em média, 920 quilos de cada hectare plantado, 18% acima do segundo colocado, que foi o Mato Grosso, com 780 kg/ha. Para este ano, segundo estimativas do IBGE, o segundo lugar ficará com o Amazonas (660 kg/ha), enquanto o Pará deve alcançar impressionantes 960 kg/ha.
Esse número indica uma alta de quase 5% em relação o ano passado, que já tinha sido considerado extraordinário, e mais do que o dobro da média nacional, em torno de 450 kg/ha. Se fosse um país, o Pará seria o campeão mundial de produtividade. Em nenhuma outra parte da Terra se consegue extrair tanto cacau no mesmo pedaço de chão. Entre as nações com os melhores índices, destacam-se Equador (600 kg/ha), Costa do Marfim (500 kg/ha) e Gana (470 kg/ha). Nenhuma chega nem perto da produtividade paraense. E vale destacar que todas produzem muito mais do que o estado amazônico. Enquanto o Pará teve produção de 130 mil toneladas de amêndoa de cacau no ano passado, a Costa do Marfim, maior produtor global, registrou 2,1 milhões de toneladas, ou seja, dezesseis vezes mais.
São diversos os fatores que geram tantos e tão admiráveis resultados à cacauicultura paraense. Dois deles são geridos pela Ceplac, o órgão coordenado por Fernando Mendes. O primeiro tem como objetivo produzir e distribuir aos produtores locais sementes híbridas, geneticamente melhoradas. Com dois campos de produção – em Medicilândia e em Tucumã –, o programa produz 14 milhões de sementes por ano, todas distribuídas gratuitamente a produtores paraenses. Nesse trabalho, a Ceplac gasta, anualmente, R$ 1,7 milhão de reais, verba enviada pela União.
Para 2021, o projeto receberá apoio financeiro também do Governo do Pará, que já acertou a contribuição de R$ 800 mil. Apenas com esse projeto, o estado tem um acréscimo médio anual em sua área plantada de cacau de 9 mil hectares, quase 60 vezes o tamanho do Parque do Ibirapuera, em São Paulo. “E de plantas que vão gerar frutos de excelente qualidade”, observa Mendes. O segundo programa tem como grande estrela a Estação de Recursos Genéticos da Ceplac, no município de Marituba. Ali, o foco é desenvolver plantas cada vez melhores, mais produtivas e resistentes a pragas. O trabalho não para. “Até hoje, fazemos melhoramento genético do nosso cacau”, diz Mendes.
A estação tem o maior banco de germoplasma da fruta no mundo, com 3,2 mil unidades de cacaueiros. Ao todo, o local tem seis laboratórios, onde são desenvolvidos estudos em áreas como genética molecular, citopatologia, solos
e nutrição. Somando gastos com pessoal – são cerca de 50 pessoas –, equipamentos e pesquisas, a estação custa em torno de R$ 2,5 milhões por ano, bancados pelo governo federal.
A cacauicultura não para de crescer no pará. Hoje, há 26 mil fazendas da fruta no estado, 30% a mais do que há 5 anos
Há cerca de 1 ano e meio, todo esse trabalho conquistou reconhecimento internacional. No final de 2018, o Brasil foi incluído no seleto grupo de apenas quinze nações consideradas a elite do cacau fino do mundo.
A lista é montada pelo Conselho da Organização Internacional do Cacau, uma espécie de ONU do cacau. Para tanto, os especialistas brasileiros passaram cerca de 2 anos apresentando dossiês, análises e participando de reuniões com os conselheiros do Conselho Internacional. À frente do grupo nacional estava Fernando Mendes.
oi dele, aliás, a responsabilidade de defender a candidatura brasileira, num encontro realizado na cidade de Abidjan, na Costa do Marfim. “Foi uma vitória fenomenal para o cacau paraense. Esse tipo de reconhecimento abre muitas portas internacionais para o nosso produto”, comemora Mendes. De fato. Hoje, o Pará exporta cerca de 450 toneladas de amêndoas do chamado cacau fino de aroma, próprio para a produção de chocolate gourmet. O produto é enviado para a Ásia e a Europa, tendo o Japão como maior comprador.
A inclusão na lista da do Conselho Internacional não foi a única vitória recente do cacau paraense. Há cerca de
7 meses, a produtora Elcy Gutzeit teve sua amêndoa premiada no Internacional Cocoa Award, realizado em Paris (leia na pág. à dir.). Mais uma prova da qualidade do produto paraense. Com um cacau tão bom, o estado trabalha, agora, para ganhar força na produção de chocolate. Nesse campo, a atuação mais notável é a da Cooperativa Agroindustrial da Tranzamazônica (Coopatrans).
Fundada em 2010 e com sede em Medicilância, a cooperativa segue o processo bean to bar (do grão à barra) e é a única do Pará que tem a própria fábrica de chocolate, a Cacauway. O processo é eficiente. Das fazendas dos seus vinte e oito associados, saem as 50 toneladas de amêndoa processadas a cada ano pela Cacauway e transformadas em cerca de trinta produtos, como barras – com 30% de cacau até 80% –, trufas com recheios tipicamente paraenses – como açaí e cupuaçu – e amêndoas caramelizadas. “Como a cooperativa chega a produzir até 200 toneladas anualmente, as 150 toneladas excedentes são vendidas a outras indústrias”, explica a produtora Elisângela Trzeciak, 44 anos, uma das fundadoras da Coopatrans. Com as sete lojas da Cacauway – seis no Pará e uma no Maranhão – fechadas em virtude do coronavírus, os chocolates da marca estão sendo vendidos em sua página no Instagram – nas cidades com lojas próprias – e no Mercado Livre, para todo o Brasil. “Foi a forma que encontramos de escoar parte da nossa produção”, diz Elisângela. Ela estima que a pandemia causará uma queda de 50% no faturamento da Cacauway, que foi de R$ 1,1 milhão no ano passado, alta de 22% em relação a 2018, quando faturou R$ 900 mil.
Com tantas boas notícias, é natural que o Pará siga ganhando relevância na lavoura cacaueira. E atraindo mais produtores. Atualmente, o estado tem 26 mil fazendas de cacau, 30% a mais do que em 2015, quando havia 20 mil. Juntas, essas propriedades somam 200 mil hectares plantados, o equivalente à soma das áreas das cidades de São Paulo e Porto Alegre.
SEM LIMITES
Sim. É muita terra. Mas o presidente da Federação da Agricultura do Estado do Pará (Faepa), Carlos Xavier, acha pouco. Aos 73 anos, economista e também produtor rural, ele afirma que um estado com as dimensões do Pará pode produzir muito mais do que as 142 mil toneladas de amêndoa previstas para este ano. Com pouco mais de 1,2 milhão de quilômetros quadrados de área, o território paraense é, de fato, gigantesco. Dentro do Pará, caberiam França, Espanha e Portugal juntos. “Além disso, temos um clima perfeito para a cacauicultura, com temperatura média anual em torno de 26 graus, e água em abundância”, destaca Xavier. Outro atrativo aos fazendeiros é o estímulo dado pelo Governo Estadual, por meio do programa Funcacau, que aplica cerca de R$ 5 milhões por ano no setor.
Esse atraente pacote leva o presidente da Faepa a fazer planos ousados. Seu primeiro objetivo é dobrar a área total plantada de cacau no estado, passando dos atuais 200 mil hectares para 400 mil ha. Mas sua meta é muito mais audaciosa. “Temos um plano já estruturado para levar o Pará a ter 2 milhões de hectares plantados de cacau. Com isso, seremos o maior produtor do mundo”. Pelos investimentos em pesquisas, incentivos dos governos federal e estadual e pelo empenho dos produtores paraenses, esse sonho não parece nada impossível. Já imaginou, o Pará no topo do ranking mundial da cacauicultura? Ah, o Pará! O Pará de Fafá de Belém, do Círio de Nazaré, do Mercado Ver-o-Peso, das praias de Álter do Chão, do tacacá. O Pará do cacau.
A rainha do cacau
A empresária e produtora rural Elcy Gutzeit não é chamada de “rainha do cacau” à toa. Nascida no Pará, numa família de origem alemã, ela cresceu vendo o pai cuidar dos bois e das plantações da fazenda. “Desde menina, eu gostava de ajudar meu pai na roça. Minha brincadeira era na lavoura”, conta. Hoje, aos 47 anos, é dela a resposabilidade de tocar os negócios da família, centralizados na Fazenda Panorama, no município paraense de Uruará. É ali que Elcy produz a melhor amêndoa de cacau do Brasil e uma das melhores do planeta. Palavra de quem entende – e muito – do assunto.
Em novembro do ano passado, a amêndoa da Fazenda Panorama foi premiada como uma das 50 melhores do mundo, durante o Internacional Cocoa Award 2019, realizado em Paris. “Foi uma das maiores emoções da minha vida. Ter o reconhecimento internacional do nosso trabalho é muito animador e gratificante”, diz ela, que produz cerca de 600 toneladas por ano. “Vai valorizar ainda mais o nosso cacau e incentivar outros produtores a investir no processo”.
Elcy se refere ao longo e detalhado processo que vai da plantação da fruta à produção da amêndoa fina tipo exportação, a partir de um blend de vários híbridos. Para chegar ao ponto de ter seu cacau premiado mundialmente, ela investiu cerca de R$ 600 mil numa estrutura que envolve laboratório próprio, estufas especiais e melhorias nas técnicas de plantio, colheita, fermentação, secagem e estocagem. Elcy quer mais. Além de melhorar e ampliar a produção do cacau fino, o próximo passo é fabricar o próprio chocolate. O projeto já está em andamento. “Até fizemos um teste no ano passado. Produzimos 5 mil barras e colocamos num evento do setor, na França. Vendemos tudo e recebemos muitos elogios”, lembra. E ela acaba de receber uma excelente notícia. A amêndoa da Fazenda Panorama foi novamente selecionada para o Internacional Cocoa Award deste ano. Fonte: Dinhero Rural