O berço esplêndido da economia cacaueira do sul da Bahia desmoronou, passando de 450 mil toneladas em 2014 para 250 mil em 2019
Os portugueses trouxeram as primeiras mudas de uma bebida exótica adorada pelos maias, homenageada pelo nome em grego de “teobroma cacao”, ou bebida dos deuses. Além do sabor, o fruto tem alto poder nutritivo, indicado para combater a desnutrição e o combate a radicais livres etc. Não imaginavam o sucesso que conseguiriam no sudeste da Bahia e no Espírito Santo. Posteriormente a introduziram na costa leste da África, hoje o maior centro produtor do mundo.
Agricultor mostra como conseguiu juntar produção de café e de cacau em Mato Grosso
O Brasil, que já foi o maior produtor e exportador, hoje é o sétimo produtor e grande importador. A cadeia produtiva é desintegrada, a qualidade foi menosprezada durante décadas, fomos lentos para cuidar melhor da sanidade das plantas, das sementes geneticamente aperfeiçoadas e da adubação sistemática. O desfecho foi implacável.
O berço esplêndido da economia cacaueira do sul da Bahia desmoronou. Em 2014, o Brasil produzia 450 mil toneladas de amêndoa de cacau e, em 2019, mal passamos das 250 mil toneladas. Não conseguimos abastecer o mercado interno, que no mesmo ano recorreu à importação de 62 mil toneladas de amêndoa e outras 35 mil toneladas de derivados de cacau de um país que possui zero pés de cacau, a Suíça.
Já que não se consegue vencer o fungo, continuamos a conviver e administrar seus danos na região da Mata Atlântica. E diante de um cenário de mercado consumidor em expansão, o governo incentivou o cultivo sistemático na Amazônia. A resposta foi e continua positiva. Na década de 1980, Rondônia se destacou com o cacau e o café tipo conillon. Mais recentemente, o estado do Pará expandiu a produção e assumiu a liderança na produção, respondendo por pouco mais da metade da safra nacional. Não obstante, ainda é pouco para nosso potencial.
Estamos diante de uma ferida típica do subdesenvolvimento. O Brasil tem tudo à disposição neste caso: área sobrando para cultivar, possibilidade de agregação de valor com pequenas, médias e grandes indústrias, um enorme mercado interno crescente e tecnologia à disposição. E nem assim, conseguimos aumentar substancialmente o número de cacauicultores, que segundo a dados da Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), totalizam 70 pessoas, mil cultivando uma área de apenas 700 mil hectares. Só para lembrar, plantamos 66 milhões de hectares com lavouras e 7 milhões de hectares de florestas cultivadas.
A distorção estrutural pelo domínio absoluto das terras e da produção por parte de uma oligarquia rural não se repetiu na região Norte. Cerca de 90% dos produtores da região cultivam áreas de 10 a 50 hectares. O novo modelo inclui a possibilidade do consórcio com o café ou num sistema tipo agrofloresta debaixo das grandes árvores, além da alternativa orgânica e produtos especiais mais caros. E lá, há espaço para todos, de pequenos a grandes produtores, sem necessidade de novos desmatamentos.
A verticalização da produção não tem os obstáculos enormes de outras culturas. Não são necessários grandes investimentos e sofisticadas tecnologias para fabricar chocolate e seus subprodutos sob a forma de manteiga, pó, suco e licor. Parte considerável da produção local pode e deve ser absorvida pelo consumo na merenda escolar, na cesta básica e em outras instituições do mercado institucional. Para isso, falta apenas decisão na gestão dos recursos públicos.
O Brasil está avançando na boa direção, porém a passos lentos. Afinal, trata-se de uma cadeia produtiva que em nível mundial atualmente gera US$ 12 bilhões e emprega diretamente 4 milhões de pessoas, na qual em que pese nosso potencial, ainda ocupamos uma tímida posição e que ainda depende de importações para atender às próprias necessidades internas.
O caminho é promissor para este produto de importância econômica, emprego, renda e nutrição, mas, falta o apoio mais efetivo dos governos federal, estadual e municipal, especialmente no financiamento, assistência técnica, seguro de renda, e a expansão do modelo cooperativista.
Ou seja, estamos diante de nenhuma novidade quanto à gestão de uma cultura que seja considerada prioritária. O avanço mais rápido não depende de revoluções nem de confrontos de interesses, mas, essencialmente de maior competência em termos de gestão. Texto: Benedito Rosa / Canal Rural