Paulo Sousa, presidente da Cargill no Brasil, conta como comanda a empresa
A vista imensa, através das janelas envidraçadas do oitavo andar de um prédio comercial da Avenida Doutor Chucri Zaidan, na zona sul paulistana, dá para a marginal do Rio Tietê e seu intenso movimento de carros e caminhões, não importa a hora e nem o dia da semana. Levemente formal, a sala é composta por uma mesa de trabalho, uma de reuniões e um pequeno aparador de madeira escura, onde estão um litro de óleo de soja, um copo de extrato de tomate, uma barra de chocolate e alguns troféus.
Destoa do conjunto uma reluzente fileira de miniaturas. São seis carros de Stock Car, categoria de corrida muito popular em vários países, cheios de logotipos, incluindo os da Cargill, a multinacional norte-americana de alimentos que está em 70 países e que opera no Brasil desde 1965. “São muito bonitos, né? E somos patrocinadores dessas corridas”, diz Paulo Sousa, que completa 55 anos em janeiro, presidente da Cargill no Brasil e líder da divisão de commodities agrícolas na América do Sul, enquanto pega um dos carrinhos.
Exportação muito além de commodities
No atual cenário da produção de alimentos e bioenergia, a corrida da Cargill não é uma mera figura comparativa de decoração. Ela existe e pode ser medida pela quantidade de navios operando em todo o mundo, levando e trazendo grãos e outras commodities. A qualquer hora, ou dia em que se pergunte a quantidade de navios a serviço da empresa em singram os mares, a resposta será sempre a mesma: entre 650 e 700 embarcações. Nessa corrida, “nosso principal compromisso é com a segurança alimentar”, garante Sousa. “Pelo tamanho e presença global, temos peso e importância no acesso ao alimento de maneira constante e a custo baixo. Essa é a função social que nos move, mais do que qualquer outra coisa.”
Em 2021, a receita da Cargill no Brasil chegou ao recorde histórico de R$ 101 bilhões, 50% acima do ano anterior. A empresa é dona de um dos maiores complexos de originação e comércio global de soja, além de outros grãos, como trigo, milho, cevada e sorgo de sua trading. Possui 23 fábricas que processam produtos de consumo, como óleos refinados e compostos, extrato e polpa de tomate, molhos, azeites e maioneses. Está no mercado de cacau e chocolate, acidulantes e citratos, lecitinas, amidos e adoçantes, nutrição animal e ingredientes para a indústria farmacêutica. No setor de etanol e açúcar, opera em parcerias e, para as exportações de grãos, possui oito terminais nos portos de Santos (SP), Miritituba (PA), Paranaguá (PR), Santarém (PA) e Porto Velho (RO). Para tocar o negócio, são quase 11 mil funcionários no Brasil.
33 anos de casa
Sousa conhece profundamente a estrutura e o funcionamento da empresa. Nascido em Goiás e filho de um operador de carteira agrícola do Banco do Brasil, ele escolheu cursar zootecnia na Fazu (Faculdades Associadas de Uberaba, MG), planejando trabalhar na propriedade rural do avô depois de formado, aos 19 anos, o que durou pouco mais de dois meses. Ele está na Cargill há 33 anos, com mais tempo de casa que o novo presidente e CEO global da empresa, o economista agrícola norte-americano Brian Sikes, que assume a tarefa no dia em 1º de janeiro aos 31 anos de empresa, no lugar de Dave MacLennan, no cargo desde 2013. Sousa foi contratado como trainee da Cargill e começou pendurado em um telefone quando o celular ainda era um sonho. “Entrei na área comercial e passava o dia comprando farelo de soja para ração.”
A partir daí, não parou mais. Embora tenha passado por cargos importantes, incluindo uma posição na Cargill International, na Suíça, ele considera o passo mais importante de sua vida na empresa a troca da Europa pelo centro-oeste brasileiro, de onde comandava uma equipe de 700 pessoas e todo o negócio de grãos de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. “O retorno ao Brasil foi o que de mais importante aconteceu na minha vida, porque voltei para gerenciar pessoas, em vez de dados, como fazia até então”, compara. “Esse detalhe faz toda a diferença.”
33 anos de casa
Sousa conhece profundamente a estrutura e o funcionamento da empresa. Nascido em Goiás e filho de um operador de carteira agrícola do Banco do Brasil, ele escolheu cursar zootecnia na Fazu (Faculdades Associadas de Uberaba, MG), planejando trabalhar na propriedade rural do avô depois de formado, aos 19 anos, o que durou pouco mais de dois meses. Ele está na Cargill há 33 anos, com mais tempo de casa que o novo presidente e CEO global da empresa, o economista agrícola norte-americano Brian Sikes, que assume a tarefa no dia em 1º de janeiro aos 31 anos de empresa, no lugar de Dave MacLennan, no cargo desde 2013. Sousa foi contratado como trainee da Cargill e começou pendurado em um telefone quando o celular ainda era um sonho. “Entrei na área comercial e passava o dia comprando farelo de soja para ração.”
A partir daí, não parou mais. Embora tenha passado por cargos importantes, incluindo uma posição na Cargill International, na Suíça, ele considera o passo mais importante de sua vida na empresa a troca da Europa pelo centro-oeste brasileiro, de onde comandava uma equipe de 700 pessoas e todo o negócio de grãos de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. “O retorno ao Brasil foi o que de mais importante aconteceu na minha vida, porque voltei para gerenciar pessoas, em vez de dados, como fazia até então”, compara. “Esse detalhe faz toda a diferença.”
Povos originários e desmatamento
A quantidade de produtores em sua carteira mantém a gestão do tripé ESG (ambiental, social e governança) em permanente estado de atenção. Motivos não faltam, pela grandiosidade da operação e pelo desafio de monitorar diversidades na cadeia produtiva em vários níveis. “Se a gente voltar um pouco no tempo, o social era uma grande preocupação do agro, com situações de trabalho que hoje não são mais aceitáveis, como cortadores de cana, por exemplo, ou outros trabalhos socialmente inadequados. No agro organizado, isso já ficou para trás há pelo menos duas décadas, porque houve uma transformação na mão de obra para uma agricultura mais empresarial, principalmente no centro-oeste”, afirma.
Ele lembra, também, o próprio esforço do Estado brasileiro nessa direção em anos passados, e agora a caminho de mais um desafio, que é se posicionar em relação aos povos originários, às comunidades indígenas e quilombolas com intersecção com a produção de soja, como ocorre com povos indígenas de Mato Grosso e Pará.
“Para os povos que não desejam produzir em suas terras, está tudo certo, mas há comunidades que desejam, e a sociedade precisa se posicionar se é aceitável agricultura em terras indígenas”, afirma Sousa, destacando que a Cargill não compra de áreas nas quais índios já produzem grãos, como na região de Campo Novo do Parecis (MT). “Se um dia a sociedade definir como aceitável que esses índios produzam e, principalmente, nossos clientes também assim o acharem, podemos comprar, mas, hoje, de jeito nenhum.”
Entre as diretivas ainda em andamento, o grande desafio, com D maiúsculo para a Cargill, é o meio ambiente sob a guarda da agricultura brasileira. “Estão postos os fantasmas do desmatamento, ou conversão de biomas ativos, que é um tema ainda mais abrangente”, afirma Sousa. “E não é apenas para a Amazônia brasileira. Há também o Cerrado, o Pantanal, o Chaco na Argentina e Paraguai, que precisam ser pensados nesse ambiente de descarbonização, com o uso de práticas agrícolas mais sustentáveis. Elas são bem-vindas pelos clientes globais e contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa.”
Povos originários e desmatamento
A quantidade de produtores em sua carteira mantém a gestão do tripé ESG (ambiental, social e governança) em permanente estado de atenção. Motivos não faltam, pela grandiosidade da operação e pelo desafio de monitorar diversidades na cadeia produtiva em vários níveis. “Se a gente voltar um pouco no tempo, o social era uma grande preocupação do agro, com situações de trabalho que hoje não são mais aceitáveis, como cortadores de cana, por exemplo, ou outros trabalhos socialmente inadequados. No agro organizado, isso já ficou para trás há pelo menos duas décadas, porque houve uma transformação na mão de obra para uma agricultura mais empresarial, principalmente no centro-oeste”, afirma.
Ele lembra, também, o próprio esforço do Estado brasileiro nessa direção em anos passados, e agora a caminho de mais um desafio, que é se posicionar em relação aos povos originários, às comunidades indígenas e quilombolas com intersecção com a produção de soja, como ocorre com povos indígenas de Mato Grosso e Pará.
“Para os povos que não desejam produzir em suas terras, está tudo certo, mas há comunidades que desejam, e a sociedade precisa se posicionar se é aceitável agricultura em terras indígenas”, afirma Sousa, destacando que a Cargill não compra de áreas nas quais índios já produzem grãos, como na região de Campo Novo do Parecis (MT). “Se um dia a sociedade definir como aceitável que esses índios produzam e, principalmente, nossos clientes também assim o acharem, podemos comprar, mas, hoje, de jeito nenhum.”
Entre as diretivas ainda em andamento, o grande desafio, com D maiúsculo para a Cargill, é o meio ambiente sob a guarda da agricultura brasileira. “Estão postos os fantasmas do desmatamento, ou conversão de biomas ativos, que é um tema ainda mais abrangente”, afirma Sousa. “E não é apenas para a Amazônia brasileira. Há também o Cerrado, o Pantanal, o Chaco na Argentina e Paraguai, que precisam ser pensados nesse ambiente de descarbonização, com o uso de práticas agrícolas mais sustentáveis. Elas são bem-vindas pelos clientes globais e contribuem para a redução das emissões de gases de efeito estufa.”
Os projetos ambientais da Cargill estão em linha com o que se começou a discutir na mais recente COP, no Egito: quem vai pagar a conta da descarbonização do planeta. Sousa tem plena convicção de que os investimentos serão revertidos ao produtor rural com vantagens trazidas por uma agricultura capaz de agregar mais carbono no solo, como pode ser a regenerativa, e pela pecuária. No Brasil, a Cargill é dona da Nutron, uma das maiores empresas de nutrição animal, que, nos EUA, está entre as líderes da indústria de processamento de proteína animal, junto com National Beef, Tyson Foods e JBS, outra da lista Agro100.
Por causa desse protagonismo, Sousa acredita que a governança já estabelecida nas últimas décadas deve dar conta dessa revolução alimentar e energética em curso. “É claro que temos um produtor altamente empreendedor e que tem investido na melhoria de sua capacidade de gerenciamento do negócio”, afirma. “Há, também, uma nova geração bem preparada, gente estudada que busca conhecimento, e isso se reflete nas melhores práticas de governança no agro brasileiro.”
Não por acaso, essa grande virada em marcha está levando as questões ambientais a deixarem de ser compliance – vistas como “não pode fazer isso, não pode fazer aquilo” – para um estágio de interação com os hábitos da sociedade. “Evoluímos para um cenário em que o campo vai ter vantagens ao agregar cada vez mais as práticas sustentáveis”, diz Sousa. “O papel das empresas, entre elas o da Cargill, é juntar o campo aos mercados consumidores, o que já fazemos por definição, mas que ganha ainda mais relevância ao contarmos a esse público as boas histórias. E isso não falta ao agro brasileiro”.
*Reportagem publicada originalmente na edição 103 da Revista Forbes, que pode ser acessada pelo aplicativo (Google Play ou APP Store) ou na versão impressa.
Fonte: FORBES