Um setor tradicionalmente masculino, o agronegócio começa a embarcar na onda de revitalização dos movimentos feministas, estimulada pelo avanço da presença da mulher em posição de gestão de propriedades rurais.
Empresas e entidades setoriais intensificaram neste ano um esforço para elaborar ações afirmativas de gênero, com treinamentos para mulheres, levantamento de estatísticas e conscientização de homens que atuam no setor – na tentativa de mitigar resistências apontadas por mulheres que assumiram fazendas nos últimos anos.
Na Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP, uma das principais instituições de ensino para o fornecimento de mão de obra qualificada ao setor), a proporção de mulheres entre os alunos que ingressam em cursos como engenharia agronômica, florestal, gestão ambiental e ciência de alimentos passou de 36% em 2002 para 44,5% em 2016.
Nesse avanço, no entanto, elas enfrentam barreiras.
De acordo com estudo da Abag (Associação Brasileira do Agronegócio), 43% das mulheres que comandam propriedades em diferentes setores do agronegócio relatam insubordinação de funcionários que se negam a receber ordens de mulheres.
Mais de 25% também relatam dificuldades para acessar cargos em associações ou organizações setoriais.
Empoderamento
Para se adaptar ao cenário, a Nestlé promoveu pela primeira vez, em agosto, um evento em Minas Gerais em que reuniu pequenos produtores de leite com palestras de “empoderamento” e troca de experiências. A empresa de defensivos agrícolas Dupont fez evento no Espírito Santo para produtoras rurais e mulheres de agricultores com palestras sobre saúde e beleza.
A Cargill montou um comitê de diversidade que escolheu a questão do gênero como primeiro foco de debates. Ligado à CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) lançou em 2010 um programa de capacitação feminina que atraiu 93 participantes na primeira turma e alcançou 4.670 em 2016.
Para Andrea Alves, chefe de departamento no Senar, é possível notar diferenças no desempenho feminino.
“O homem é mais ligado ao processo produtivo, enquanto a mulher geralmente tem outro perfil, com visão mais sistêmica. Ela registra tudo o que acontece na propriedade, é mais detalhista”, diz.
“Essa discussão da igualdade de gênero está ocorrendo em todos os setores. E o agro só está seguindo a tendência”, diz Luiz Cornacchioni, diretor da Abag, que reconhece as dificuldades de consolidação do movimento num ambiente machista como é o do agronegócio.
Com a consultoria PwC, a Abag começou em 2016 a levantar estatísticas, na tentativa de elucidar um vácuo de informação deixado desde o mais recente censo agropecuário do IBGE, que em 2006 mostrou participação feminina de 13% na direção dos trabalhos em estabelecimentos de agricultura familiar.
Segundo a pesquisa da Abag, num grupo de 300 mulheres que atuam na gestão de empreendimentos agropecuários, só 12% têm um parceiro que contribui mais do que elas na despesa da casa.
Para Ana Malvestio, sócia da PwC, há um aspecto geracional, que também eleva a presença delas no setor.
“Pesquisa mostra que as mulheres da geração Y [nascidas a partir dos anos 1980] têm mais autoconfiança que as anteriores. Isso vem ao encontro da realidade do agro, de que muitas, mesmo sendo herdeiras, ficavam na retaguarda, enquanto o marido tocava o negócio. Mas essa geração tem mais ambição.”
Fonte: Folha de S. Paulo