O chocolatier que pesquisa variedades nativas de cacau na Amazônia

Cesar de Jesus Moraes Mendes, de 54 anos, é um chocolatier mateiro. Ele tem a habilidade de entrar na Floresta Amazônica para descobrir novas variedades de cacau e, a partir delas, desenvolver chocolates com sabores únicos. Nascido em Macapá, no Amapá, é neto de judeus marroquinos, índios e quilombolas ribeirinhos. De Mendes, como prefere ser chamado, também é um viciado nos estudos. Ele se formou em química industrial, licenciatura em química e engenharia química, tem cinco especializações e dois mestrados.
De Mendes conta que o cacau, por ser uma espécie endêmica da Amazônia e da América Central, fez parte da vida dele. Diz que os quintais das casas em que morou sempre tiveram árvores cacaueiras. Ele relata que muitas vezes na infância assistiu à mãe transformando a fruta em bebida para dar aos 11 filhos. “Ela colhia, cortava em pedaços, torrava, descascava e pilava. O processo todo era artesanal. Depois, misturava o pó com água, moldava um bastãozinho e enrolava com casca de banana”, lembra. Depois desse processo, De Mendes explica que as pessoas do Norte costumam ralar o cacau na língua do pirarucu (espécie de peixe) e misturar com leite e água. “Minha mãe também adicionava ovo à mistura. Ela dizia que era para dar energia para as crianças”, recorda.
Em 1990, De Mendes começou a prestar consultoria na área de engenharia de alimentos em Belém, no Pará. Em 2005, durante um trabalho na cidade de Medicilândia, no interior do estado, conheceu produtores de cacau e chocolate. Junto deles, teve a ideia de montar uma cooperativa focada no segmento. Mas não deu certo. Segundo De Mendes, os agricultores começaram a desistir durante o processo de regulamentação da empresa. “Mesmo assim eu não abandonei o projeto. Levei tudo para Belém e lá comecei a vender os produtos de chocolate”, relata.
Trabalhando no negócio de chocolates, De Mendes começou a estudar sobre a ciência, paladar e história do cacau. Durante a imersão no assunto, ele conta que começou a refletir sobre o diferencial dos produtos e enxergar oportunidade de negócios. “Nós estávamos tentando imitar o chocolate belga, o francês, o suíço, quando na verdade o turista tinha curiosidade em experimentar um chocolate exótico. Um que fosse só da Amazônia”, diz.
Durante o primeiro mestrado, em 1991, De Mendes fez várias expedições na Floresta Amazônica para descobrir e catalogar espécies de plantas nativas com propriedades fitoterápicas. Nesse processo, ele diz ter estreitado vínculo profissional com diversas pequenas comunidades. “Tive afinidade para lidar com eles [pessoas de comunidades afastadas]. Eu tenho cara de índio, negro, caboclo, eles se identificaram, talvez. No decorrer dos anos, me procuravam também para tratar de outros assuntos, que não relacionados à pesquisa”, diz. Em 2010, De Mendes voltou a entrar em contato com essas pessoas e perguntar se tinham espécies de cacau que gostariam de fornecer. “Elas me diziam o que tinham e eu ia lá verificar”, relata.
No mesmo ano, De Mendes abriu uma pequena empresa que trabalha somente com cacau nativo e produzido em comunidades indígenas, caboclas, quilombolas e agricultura familiar local. Ele se mudou para a colônia Chicano, que tem 500 habitantes, no interior do estado. O chocolatier conta que, para receber o produto da forma como precisa, oferece treinamentos que aprimoram técnicas de colheita, seleção, fermentação e secagem.
O cacau que usamos para fazer chocolate vem do cacaueiro, cujo nome científico é Theobroma cacao. A espécie, espalhada pela América do Sul e Amazônia, ganhou muitas variedades adaptadas a cada região. Elas têm frutos com características próprias de sabor e textura. Essa diversidade vem sendo explorada pelos produtores de chocolate. No interior da Amazônia, De Mendes busca variedades novas, perdidas na mata, para criar chocolates com sabores diferentes. Em uma dessas expedições, em 2014, De Mendes encontrou o cacau do Jari. Para chegar até a região produtora da espécie, que fica na divisa entre o Pará e o Amapá, ele viajou durante três dias inteiros. “Primeiro eu pego um avião, depois carro, barco, carro de novo, barco por mais um trecho e caminho durante um dia a pé no meio da floresta”, explica. A variedade de cacau foi entregue para análise à Comissão Executiva do Plano da Lavoura Cacaueira (Ceplac), identificada como inédita e catalogada. Um ano depois, virou chocolate nas mãos de De Mendes.
O chocolate do Jari já foi exposto em vários países do exterior, como França, Rússia e Itália. Pode ser comprado em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, além de Nova York, Frankfurt, Paris e Londres. Para dezembro deste ano, De Mendes organizou outra expedição para Jari, pois a comunidade acredita ter encontrado uma grande região produtora da espécie de cacau. O chocolatier e um grupo de especialistas devem ficar pelo menos 20 dias acampados no meio da Floresta Amazônica.
De Mendes diz defender o manejo do cacau por ser uma variedade extremamente ecológica e fundamental para a preservação da floresta, tendo em vista que precisa da sombra da copa de outras árvores para produzir frutos. Além do Jari, ele relata trabalhar com mais 12 comunidades socioeconomicamente semelhantes. “As comunidades acabam vivendo às margens de direitos e cidadania. Não por ausência de governo, mas por distância geográfica. O cacau leva benefícios e dignidade para essa gente”, defende.
Esse tipo de história faz parte do Festival Origem, evento realizado pelas revistas ÉPOCA, Globo Rural e Casa e Jardim, dos dias 1º a 3 de dezembro em São Paulo, para unir produtores, chefs e consumidores interessados em alimentos bons para a saúde e para o planeta.
Fonte: Época

Curtiu esse post? Compartilhe com os amigos!

Facebook
Twitter
LinkedIn
WhatsApp
Telegram

0 Comments

  1. José Teixeira dos Santos disse:

    Muito bom tomar um banho de paia

  2. João Carlos de Souza Araújo disse:

    Muito bom

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *