Opinião: A fábrica de conhecimento e o bolso furado

Por Dilson Araújo*

 

Nos últimos dias, dois fatos me chamaram a atenção. O primeiro é a consolidação da feliz parceria CEPLAC- Universidade Federal do Sul da Bahia-UFSB com a assinatura do termo de cessão de uma parte da área da CEPLAC para a instalação do campus da Universidade; O segundo fato diz respeito ao abaixo assinado que os Deputados Estaduais, liderados por Eduardo Salles, firmaram para reivindicar a realização de concurso para a CEPLAC.

 

Enquanto a instalação da Universidade Federal do Sul da Bahia, que já manifesta o compromisso para priorizar as demandas da região, pode representar uma luz no fim do túnel, a realização de concurso para a CEPLAC, neste momento e na situação em que o Órgão se encontra, está fora de sintonia com a realidade e, principalmente, com a cacauicultura baiana, que há muito já elegeu prioridades como a oferta de crédito novo, combate à importação nociva de cacau e a anulação das injustas e imorais dívidas que lhes são impostas. Mesmo cientes de toda a verdade, é lamentável que nenhum político faça um abaixo assinado nesse sentido!

 

A reformulação da CEPLAC é condição “sine qua non” para justificar a sua sobrevivência, inclusive para que possa estar apta a receber “sangue novo”. Colocar novos cérebros nessa atual estrutura seria temerário, seria como dar ao piloto Hamilton um Fiat 147 para que ele disputasse um grande prêmio de Fórmula 1. Como disse Belchior, “no presente a mente, o corpo é diferente/E o passado é uma roupa que não nos serve mais”, pois os tempos são outros, o modelo é outro, o cacauicultor é outro, enfim, o mundo é outro.

 

Por outro lado, devemos permanecer vigilantes, pois a Universidade Federal do Sul da Bahia, pronta para instalar-se num terreno que foi obtido com recursos oriundos diretamente do cacau, deve manter-se presente e cumprir o seu papel transformador, ao contrário da UESC, que pouco destaque deu ao cacau e, com forte influência das obras de ficção, sempre difundiu uma visão estigmatizada e preconceituosa do cacauicultor. Em razão disso e, para que a Universidade Federal construa os sonhos da região sul da Bahia, há de existir uma grande intimidade e uma forte identificação entre ela e a terra onde está abrigada, ou seja, a Universidade deve pertencer à Região Sul da Bahia. Por isso, devemos nos apropriar dela imediatamente.

 

Não obstante, como não sabemos mais quem somos (sim, há uma crise de identidade!), o que temos e, principalmente para onde devemos ir, a cautela nos remete à necessidade de um novo olhar sobre a nossa região e sua biodiversidade, sobre o cacau, sobre as novas possibilidades e, principalmente sobre o seu povo, para que possamos compreender os processos das transformações locais trazidas com a riqueza e que posteriormente foram alterados com a desarticulação dos produtores, com o terrorismo biológico e, sobretudo, pela total ausência do Estado. Sem construir essa releitura, jamais enxergaremos os caminhos que devemos trilhar e nunca aprenderemos a configurar ferramentas como a CEPLAC e a própria UFSB, para que atuem a favor da região.

 

A crise aqui vivida, já com trinta anos, não pode ser chamada de “transição” e é uma heresia falar em avanços numa região onde o campo está vazio, onde não há tecnologia e onde algumas cidades sempre figuram entre as mais violentas do país. Da mesma forma, o “coronel do cacau” não pode continuar sendo o ícone de uma região onde mais de 97% dos produtores sempre foram pequenos e minis. 

 

Devemos ver a Universidade Federal do Sul da Bahia como uma parte do pagamento da dívida que o Estado brasileiro tem com a nossa região pelos longos anos de erros e abandono. O bom disso tudo é que não poderia haver melhor moeda a receber do que uma fábrica de conhecimento. Quanto ao concurso para a CEPLAC, sem que seja antecedido por uma completa reformulação da Instituição, será como permanecer usando um bolso furado e continuar perdendo as poucas moedas que ainda temos e aquelas que poderemos ganhar.

 

*Dilson Araújo é autor do documentário "O nó: Ato humano deliberado" e pesquisador da história regional.

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