Alarmado, um amigo me enviou um artigo onde se dizia que o chocolate pode acabar. Mas será que pode mesmo? A revista brasileira Veja publicou a matéria “ Vai faltar chocolate” da jornalista Jennifer Ann Thomas, em 24 de março, 3 dias antes da Páscoa, prevendo que o chocolate, como se não bastasse os altos preços dos ovos de Páscoa de chocolate nessa época devido ao seu formato, subirão em até 60% em 4 anos. Segundo a publicação “O aumento do consumo no mundo, associado à queda de produtividade das lavouras de cacau, pode levar à escassez em quatro anos”. Na mesma linha a jornalista Alexandra Wexler, com a colaboração de Eduardo Magossi no Wall Street Journal atestam que “a solução para crise mundial do cacau está na África”. Dez dos maiores produtores de chocolate e processadores de cacau do mundo concordaram, em 2014, em compartilhar entre eles uma série de dados confidenciais sobre produtividade cacauicultora, em um programa que tem por objetivo auxiliar fazendeiros nas melhores práticas agrícolas, entre outras ações – chamado de Ação Cacau (Cocoa Action), o programa é liderado pela Fundação Mundial do Cacau e se concentra no continente Africano.
Desde 2013 fala-se em escassez de cacau, e consequentemente na falta de chocolate ou alta de preço do produto. No entanto devemos analisar com devida parcimônia os diferentes dados do mercado e tendências e concluiremos que existem importantes oportunidades nessa conclusão. Mas antes de nos lançar às oportunidades nesse mercado deliciosamente envolvente que é o do chocolate, vamos passar pelos principais fatores que estão, segundo analistas, contribuindo para a conclusão pessimista de crise mundial do cacau – a já famigerada CHOCOLIPSE.
1) Mudança Climática Mundial – Fenômeno El Niño e Aquecimento Global. Em 7 de março deste ano a DOWN JONES NewsWire publicou que a produção de cacau da Costa do Marfim deve cair 9% devido à falta de chuvas.”Mais de 5 mil hectares de plantações foram perdidos pelo clima excessivamente seco e pela doença da vassoura de bruxa”, explicou Toussaint N’guessan presidente da Organização Mundial dos Produtores de Cacau (WCPO). A Costa do Marfim é responsável por cerca de 40% da produção mundial. Juntamente com seus vizinhos africanos Gana, Nigéria, Serra Leoa, Camarões e Guiné a África representam74% da produção mundial.
2) Práticas Produtivas – já é consenso mundial que as plantações de cacau na grande maioria são subaproveitadas. Ou pela idade da cultura, antigas árvores ou pelos métodos de cultivo que já não funcionam diante dos desafios da natureza e dos mercados. Pragas como a vassoura de bruxa, e outras doenças atacam as plantações que vão definhando e perdendo a vitalidade e consequentemente sua produtividade. Um estudo feito em 2010 pela Universidade de Kopenhagen, na Suiça, juntamente com o Instituto Internacional de Agricultura Tropical em Gana, um dos maiores produtores de cacau no mundo, atestou que a produção de cacau na região estava muito baixa, entre 200 à 700Kg de cacau por hectare (algumas produções chegam à 1000Kg por hectare), e que aproximadamente 40% dos fazendeiros estavam tendo perdas financeiras com a plantação de cacau.
De acordo com o estudo que se baseou no Programa de Cultivo Arbóreo Sustentável, os principais motivos da perda de produtividade são:
– Cacaueiros velhos (a maioria com mais de 40 anos de idade)
· Monoculturas (única espécie) em vastas áreas de plantio ;
· Uso limitado ou desconhecido de material de plantio e de qualidades genéticas;
· Pequenas áreas de plantio, devido fragmentação das terras na região,
· Uso limitado e irracional de fertilizantes, fungicidas e inseticidas,
· Cacaueiros muito altos dificultando o manejo (10 à 15metros),
· Expansão de áreas de plantio através de devastação da mata local,
· Remoção total da sombra produzida por espécies maiores da região, deixando sol direto na plantação, oque resulta, com o tempo, em declínio do rendimento.
· Falta de mão-de-obra, fazendeiros mais experientes estão envelhecendo, e acrescento também o uso de mão de obra infantil.
3) Situação Social e Econômica – políticas agrícolas ineficientes acabam desestimulando o cultivo. Produtores da Costa do Marfim e Gana recebem do governo um preço fixo por sua safra de cacau, o preço não é regido pelo mercado. Em Gana o governo adotou um programa de subsídio, pagando preços maiores pela safra para que os produtores pudessem investir nas lavouras. O plano não deu certo. Os fazendeiros não utilizaram o dinheiro extra para reinvestir em seus cultivos, culminando em menor produtividade na safra seguinte. A África também corre sérios riscos de mão de obra, devido aos costumes culturais e problemas político-sociais. A grande maioria das plantações são familiares, e os fazendeiros estão envelhecendo. Os filhos e descendentes não querem ficar para trabalhar na terra, preferem ir para a cidade, ou adentram as milícias da região. A presença de grupos extremistas e milícias, favorece a prática da escravidão infantil. Crianças são compradas ou roubadas de suas famílias para trabalharem em culturas de cacau.
Não se sabe se as próximas gerações vão olhar para o cacau como uma riqueza de sua terra, que deve ser preservada e cultivada, ou um símbolo de pobreza e trabalho escravo. Recentemente a imprensa divulgou uma matéria onde foi dado uma barra de chocolate para alguns produtores de cacau africanos, e suas famílias. Eles nunca haviam experimentado a iguaria, e se assustaram com o preço que a mesma é vendida em mercados da Europa e Américas, em relação ao que eles recebem pelo trabalho de cultivo e colheita.
4) Aumento do Consumo – como se não bastasse todos os fatos acima que vem se intensificando ao longo da última década, a economia mundial, em especial o crescimento da economia dos países em desenvolvimento, provocou um aumento no consumo mundial de chocolate. Países superpopulosos como China, Índia e Brasil tiveram aumento de renda nas classes sociais mais baixas, abertura de mercados e maior importação de mercadorias, resultando em acesso à população a bens de consumo anteriormente vistos como luxo. O chocolate não faz parte da dieta da maioria desses países, no entanto, nas últimas décadas, o acesso à iguaria foi facilitado provocando uma crescente alteração de hábito e portanto de consumo. A Suíça maior consumidor per capita do mundo com aproximadamente 9Kg de chocolate por habitante/ano, tem visto seu consumo mudar.
Enquanto nos BRICKS o aumento dá-se pela inclusão de novos consumidores em grandes populações, na Europa o fenômeno é a sofisticação do setor que impulsiona mudanças de hábitos do atual consumidor. Novas tendências do produto originam essas mudanças. A preocupação com a saúde fazendo com que a maioria dos consumidores prefiram chocolates com maior percentual de cacau, a adoção ao hábito de chocolate como um alimento saúdável nas crianças, a consciência em relação ao produto orgânico, fairtrade ou de origem e inúmeras receitas e combinações de chocolate com outros ingredientes na sofisticada gastronomia européia. Em números, o crescimento global do consumo do chocolate não é tão assustador, de acordo com a pesquisa da Euromonitor International, o consumo em 2015 cresceu 0,6%, mas, segundo a pesquisa da Statista de 2016, o consumo mundial em 1999 era de 5,8milhões de toneladas, e a expectativa para 2020 é de 8,5mil/ton, quase 50% de crescimento em 20 anos. Esse crescimento é maior que o crescimento de algumas economias de países em desenvolvimento.
Todos esses fatores nos leva a acreditar que em breve ficaremos sem chocolate. Mas se olharmos cuidadosamente para os diferentes movimentos em várias regiões do mundo, veremos que toda crise leva à mudanças, e ajustes que certamente culminarão em um equilíbrio natural. Enquanto a África for o maior produtor mundial, é natural que todas as atenções se concentrem em fazer algo pelos produtores africanos.
A Nigéria já divulgou que está investindo em sistemas de irrigação para combater a seca, enquanto multinacionais fabricantes de chocolates e organizações mundiais, tentam encontrar outras soluções para o plantio, auxiliando produtores africanos. Refazer as plantações em altitudes maiores, pode ser uma das alternativas encontradas para o calor, mas que levará anos para ser implementada. Enquanto as atenções de fabricantes multinacionais de chocolate se voltam ao berço africano do cacau, o Brasil vem se despontando como um importante ator no cenário mundial. O professor Dário Ahnert coordena juntamente com 5 pesquisadores da Universidade Estadual de Santa Cruz na Bahia, uma pesquisa que tem o objetivo de encontrar um cacau mais resistente ao calor. Segundo ele, a intenção não é criar um “novo cacau”, mas descobrir, entre os inúmeros tipos pesquisados, qual deles poderá ficar mais tempo com pouca quantidade de água.
É no Brasil também que conhecemos as melhores práticas do cacau Cabruca, uma forma de plantio que preserva a mata regional, fornecendo ao cacaueiro elementos primordiais para seu rendimento e qualidade, nutrientes, sombra e umidade adequados e regulados pela própria natureza. Também é do Brasil a iniciativa de criar um chocolate feito à partir do cupuaçu, a semente da fruta da Amazônia passa pelo mesmo processo do cacau e vira uma massa. Com açúcar, gordura e outros ingredientes se transforma no chocolate de cupuaçu. Já existe processo industrial testado no laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP, em São Paulo.
A marca de chocolates gourmet AMMA já oferece tabletes de 80g de chocolate de cupuaçu à venda em casas do ramo por todo o país.
Por duas vezes o cacau brasileiro ganhou no renomado Salon Du Chocolat, o maior evento sobre chocolate do mundo, o prêmio “ Cocoa of Excellence”. Em 2010 e 2011. Quase 150 amostras de cacau de todo o mundo foram analisadas, onde o cacau das fazendas de João Tavares que se utiliza do sistema “ cacau-cabruca” foi o vencedor.
Chocolateiros franceses e belgas vêm atrás do cacau brasileiro, de diferentes produtores bahianos e paranaenses, para a criação de chocolates únicos com aromáticos nuances trópico-brasileiros.
O Brasil pode voltar a ser um dos maiores produtores de cacau, se não o maior produtor mundial. Obviamente precisa-se de políticas governamentais, eficiência dos órgãos responsáveis, regulamentações e incentivos agrícolas adequados para que esse cenário se estabeleça. Mesmo sem o auxílio de todos esses fatores essenciais para o desenvolvimento agrícola, e mais o sofrimento causado pela praga vassoura-de-bruxa nos anos 80 que praticamente dizimou a produção cacauicultora, o produtor brasileiro vem encontrando formas de criar uma cultura autossustentável e produtiva e se mostrando para o mundo.
Empresas locais vem sendo criadas para processar o cacau em pequenos lotes, que é o caso da COOPERBAHIA, fabricantes de chocolates vem se destacando no mercado nacional e internacional, é o caso da AMMA, AMENDOÁ, SAGARANA entre outros. Simpósios, Forums, e até escolas são criadas focadas na produção de chocolate à partir da amêndoa, como a Castelli no sul do Brasil, ou a Escola Chocolate da Floresta recém inaugurada em Ilhéus. O que o Brasil precisa são de leis que regulamentem o setor, empresários e investidores que queiram investir na cadeia, e comunicação educativa para que o consumidor conheça melhor o chocolate que compra.
Quando o consumidor for melhor informado do produto disponível, o mercado de chocolates sofrerá uma grande mudança, que abrirá as portas para novos produtos e novos mercados. Hoje a ANVISA – Agência Nacional da Vigilância Sanitária, exige apenas 25% de sólidos de cacau para que o produto seja chamado de chocolate. Além de não ser exigido que essa informação esteja na embalagem, é sabido que esse percentual é muito baixo se comparado com a maioria dos países desenvolvidos.
Outra controvérsia, é o fato da não exigência de rotulagem, abrir uma oportunidade para as empresas não respeitarem nem mesmo o mínimo de teor de cacau em seus produtos. O percentual mínimo de cacau nos chocolates brasileiros é um dos desafios para que o País seja competitivo no mercado internacional do produto, para que o mercado interno sofra uma adaptação às novas demandas e para que o produtor se sinta motivado em produzir mais cacau e de melhor qualidade. Diante dessa realidade, há debate na Câmara Setorial do Cacau do Ministério da Agricultura e no Senado Federal para que a legislação estabeleça o mínimo de 35% de cacau no chocolate produzido no Brasil, quantidade que já tem sido observada em países europeus.
Temos ainda um longo caminho pela frente, mas existe a possibilidade de mudanças no mercado interno brasileiro incentivarem uma guinada na produção nacional de cacau, colocando o Brasil novamente no auge das exportações mundiais, garantindo para gerações futuras, empregos em toda a cadeia, rentabilidade para os produtores e chocolate para todos os gostos e bolsos. Fonte: Explora Cacau / Autor: Cintia Sanches Lima