Um bom vinho é normalmente o resultado de uma produção obcecada com os mais pequenos detalhes, da uva ao terroir, até ao modo de engarrafar. «Porque é que não pode acontecer o mesmo com os grãos de cacau?», questiona Fernando Pacheco, criador da loja online Bean to Bar Chocolates. As diferenças não são tantas quantas as que se poderiam identificar à partida. Afinal, existem diversos tipos de grãos, com características distintas que variam conforme a região do planeta onde crescem. Certo é que nesta loja, onde todas as tabletes são meticulosamente escolhidas, só existe espaço para chocolates com alto teor de cacau.
Aos 48 anos, Fernando, antigo comercial da indústria farmacêutica, dedicou-se à paixão que foi alimentando durante as suas viagens pelo mundo. A certa altura, aguçou-se a curiosidade por estes chocolates diferentes de todos os outros. «Percebi que o cacau tem sido um alimento ignorado e empobrecido pela industrialização. Hoje, as pessoas referem-se ao que acompanha o chocolate – a menta, o gengibre, a amêndoa – e esquecem-se do cacau, que é o ingrediente essencial», explica.
Do catálogo da loja constam apenas cinco marcas – Marou, Pralus, Zotter, Akesson’s e Idilio Origins -, todas elas fiéis ao conceito do bean to bar, isto é, do processo de produção que acompanha todos os passos, do grão à tablete de chocolate. Algumas têm as suas próprias produções situadas nos terrenos mais férteis para os cacaueiros, nos países ao longo da linha do Equador. Outras recebem os seus grãos de colheitas selecionadas. À semelhança do vinho ou mesmo do café, também estes grãos têm perfis de sabor bem definidos, embora Fernando note que estas definições «não são matemáticas» e dependem tanto da qualidade da produção como do «paladar de cada um». Os de Madagáscar, por exemplo, combinam sabores frutados, de citrinos e frutos vermelhos. Na Nicarágua predominam as notas de frutos secos, pimenta e tabaco.
Os grãos da variedade Criollo são os mais raros do mundo e correspondem a cerca de 5% da produção mundial de cacau
Não vendem chocolates abaixo dos 45% de teor de cacau mas abrem portas a outros produtos, como as trufas, o creme e o chocolate em pó. Nas tabletes, é possível encontrar mais recheios e sabores, caso do coco, da laranja ou da pimenta rosa. Essencial, frisa Fernando, é que «em cada um deles, o ingrediente principal seja o cacau, algo que não sucede na maioria dos chocolates das grandes marcas».
Os preços, esses, são previsivelmente mais altos e justificam-se pela raridade dos grãos utilizados, na sua maioria da variedade Criollo, habitualmente cultivados na América Central e Sul, e Trinitario, provenientes do México e de certos países do Sudoeste Asiáticos. Juntos, correspondem apenas a cerca de 10% a 20% da produção global de cacau.
A tablete mais cara custa 22,95€ e vem dividida em três sub-variedades de cacau venezuelano – Porcelana, Cuyagua e Chuao – com teor de 75%. O verdadeiro apreciador poderá também viajar pelos diferentes sabores e países produtores com um conjunto de dez tabletes feitas com grãos da Papua Nova Guiné e de Madagáscar.
A complexidade pode ser avassaladora para o apreciador comum. A esses, Fernando deixa uma recomendação, para uma «experiência completamente diferente»: o chocolate com cacau de Madagáscar ou do Vietname, menos tradicional que o da América do Sul que já é mais familiar ao palato dos portugueses.