Processamento de cacau migra para países produtores

Além do enfraquecimento da demanda internacional por chocolate nos últimos meses, as indústrias processadoras de cacau da Europa e da América do Norte têm enfrentado um desafio estrutural: a concorrência com africanos e asiáticos. 

 

Tradicionais centros de produção da matéria-prima, países como Costa do Marfim e Gana têm atraído fábricas de moagem da amêndoa nos últimos anos, arranhando os resultados de companhias localizadas nos grandes centros de consumo. 

 

Entre janeiro e março, as indústrias ligadas à Associação Europeia de Cacau, a ECA, completaram o quarto trimestre seguido de redução do volume de amêndoa processada. Apenas nesse primeiro trimestre de 2015, as empresas ligadas à entidade moeram 337,7 mil toneladas, 1,6% menos que em igual período de 2014. Nessa comparação, o tombo foi maior na América do Norte: 5,81% para 121,5 mil toneladas. 

 

O horizonte para o ano-safra de 2014/15, que se encerra em setembro, também não é animador para esses mercados. Pelos cálculos da Organização Internacional do Cacau, a moagem das indústrias europeias consumirá 1,567 milhão de toneladas da amêndoa, 2,2% a menos que o processado no último ciclo, enquanto as fábricas da América do Norte deverão moer 902 mil toneladas de cacau, em queda de 2,4%. 

 

Para as indústrias da Ásia, a perspectiva é de um recuo de 3,4% no volume processado, para 860 mil toneladas. 

Já para a África o cenário é completamente diferente. A organização calcula que o processamento de cacau no continente deverá passar de 860 mil toneladas da safra passada para 877 mil no ciclo atual, um aumento de 1,9%. 

 

De acordo com recente estudo da consultoria FCStone, está em curso uma mudança na geografia do processamento mundial de cacau, que está se esvaziando nos grandes centros consumidores e ganhando corpo próximo às regiões produtoras da matéria-prima. O movimento, muito distinto do que ocorre na cadeia de outras commodities agrícolas, é impulsionado tanto por condições de mercado favoráveis como por medidas de estímulo na África. 

 

Mony Belon, analista da FCStone, explica, em relatório, que "o baixo nível tecnológico envolvido no processo atua como principal fator a motivar os incentivos governamentais [em países africanos] para a intensificação da atividade em seu território, onde a industrialização se encontra em estágio inicial". 

 

Um dos países que têm oferecido incentivos para a verticalização da cadeia é a Costa do Marfim. O país já conta com o segundo maior parque processador de cacau do mundo, com capacidade para processar 670 milhões de toneladas por ano. Porém, na safra passada as indústrias locais moeram só 520 milhões de toneladas. As fábricas do país ainda estão se adequando a um novo regime de taxa de exportação, que beneficia as plantas mais eficientes. Mesmo assim, os marfinenses já respondem por 12% da moagem global. 

 

Gana, vice-líder na produção mundial da amêndoa, também tem registrado aumento na moagem. Na safra passada (2013/14), o processamento cresceu 4%, para 234 milhões de toneladas. E há espaço para crescer mais, já que a capacidade instalada é de 430 milhões de toneladas. 

 

O exemplo mais expressivo de incentivos oferecidos por países produtores vem da Indonésia, cujo governo baniu exportações do cacau em grão em janeiro do ano passado. Na safra passada, o país já foi responsável por 7% do processamento mundial da amêndoa, atrás apenas da Holanda, Costa do Marfim, Estados Unidos e Alemanha. 

 

Além de estímulos ao processamento, os governos de Costa do Marfim, Gana e Indonésia também oferecem políticas de pagamento ao cacauicultor que garantem que os preços internos permaneçam abaixo dos patamares do mercado internacional. Mas os apoios governamentais contam apenas metade da história. "O transporte para destinos afastados da origem da amêndoa adiciona custos logísticos e compromete qualidade e aroma, motivando a intensificação da atividade empregadora em instalações próximas à sua produção", realça a FCStone. 

 

Essa migração, porém, esbarra agora no enfraquecimento econômico mundial. "Houve muita indústria nova instalada nos últimos anos, e muitas estão ociosas", diz Thomas Hartmann, analista da TH Consultoria, sediada em Salvador. 

 

Embora os analistas concordem que a tendência de longo prazo é de aumento do consumo global de chocolate, o ritmo tem caído sobretudo em países desenvolvidos. 

 

Segundo a consultoria Euromonitor, as vendas no principal consumidor mundial, os EUA, estão caindo desde 2012. O mesmo ocorre na Noruega, Finlândia, Dinamarca e Holanda. 

 

Nos mercados emergentes, o consumo tem crescido, mas os volumes ainda estão aquém dos países desenvolvidos. Na Índia e na China, por exemplo, o consumo per capita em 2014 foi de 100 gramas a 200 gramas por habitante no ano. Já os suíços (principais consumidores) compraram, em média, 9 quilos de chocolate cada um no ano passado. 

 

No Brasil, a ociosidade das fábricas de processamento é uma realidade, mas os motivos são outros. Com um mercado interno minguante e com a Argentina, principal destino das exportações de subprodutos do cacau do país, também em dificuldades econômicas, a moagem nacional caiu pelo segundo ano seguido em 2014, para 224 mil toneladas. A capacidade instalada é de 250 mil, segundo Walter Tegani, secretário-executivo da AIPC, associação que representa o segmento no país. 

 

A perspectiva para 2015, segundo Tegani, é de mais um ano em maus lençóis. "Vai depender do segundo semestre. Para o primeiro, não vemos perspectiva de melhora. Deve haver uma redução de 12% a 15% no processamento", afirma. Diferentemente das indústrias europeias e da América do Norte, as fábricas brasileiras ainda não sentem o peso da competição com as processadoras de cacau da África, segundo Tegani. 

 

No entanto, dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex/Mdic) indicam que as importações de alguns derivados de cacau dispararam entre 2010 e 2014. No caso da manteiga, o Brasil importou no ano passado 190 toneladas, quase duzentas vezes a mais que quatro anos antes. Desse total, nada menos do que 184 toneladas saíram da Costa do Marfim. O país também foi nosso principal fornecedor em 2014 de pasta de cacau desengordurada. Respondeu por 38% do total (13 mil toneladas). Fonte: Valor

 

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